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Luiz Pereira da Silva

1923 - 2020

Vovô Luiz era um senhorzinho vaidoso que carregava sempre um pente no bolso e gostava de andar impecável.

Esta é uma carta aberta, escrita pelas mãos e pelo coração amoroso da neta Carolina para o seu avô, Luiz:

Ele veio no pacote quando ganhei, aos seis anos, um pai, Fábio Pereira, que se casou com minha mãe Iran. Agora, eu tinha, também, um avô. E não era um avô qualquer, era um avô presente, cuidadoso, preocupado com meu bem-estar e minha felicidade.

E nesse dia marcante e triste, o dia de sua partida, surge um bom momento para lembrar como a graça e a bondade de Deus se manifestaram na vida do meu avô Luiz Pereira. Assim, além de chorar a saudade que ele deixou, quero homenageá-lo por meio dessa carta de amor e gratidão.

Um homem simples, sisudo, de poucas palavras, discreto, sério, mas curiosamente bem-humorado, quando estava em família.

Enche meu coração de orgulho, alegria e gratidão ver como Deus o fez viver uma velhice farta e cheia de vigor, de como Deus o guardou por quase um século de vida, ajudando-o a sustentar e prover sua numerosa família.

Foi também com a bênção de Deus; mas, sobretudo com o suor de seu rosto, que vovô Luiz construiu um bom nome e uma boa fama na sua cidade natal, Barreira, pequena localidade no interior do Ceará — cuidando de sua esposa e filhos, sem deixar que nada lhes faltasse, por meio do ofício de barbeiro.

Foi com o trabalho na barbearia, que vovô Luiz criou seus nove filhos, sendo sete mulheres e dois homens. Meu padrasto, Fábio, era o mais novo deles. Meu avô foi um pai e marido exemplar. Cuidou de minha avó, Maria de Lourdes, com todo desvelo, até o fim de sua vida. Mesmo sendo dez anos mais nova que ele, minha avó partiu antes, quando tinha apenas 69 anos, bem no ano em que eles iriam completar 50 anos de casados e celebrar as bodas de ouro.

Vovô Luiz deixou muitos ensinamentos importantes para todos nós. Sentiremos muita falta da sua presença e sempre nos lembraremos dele e de seu bom humor nas reuniões familiares, em todas as ocasiões especiais, às quais comparecia a família inteirinha: filhos, netos e bisnetos.

Guardo apenas boas recordações da convivência com ele: o aperto forte da mão quando ia nos abençoar, o cochicho ao pé do ouvido para perguntar como iam as coisas, o pente sempre pronto, no bolso, para emprestar aos descabelados e desalinhados.

A vaidade dele era até engraçada... Cabelo branco, barba desfeita ou cabelo comprido? Nunca, jamais! Sempre limpo, arrumado! Lembro-me do seu vigor nos tempos da lanchonete Pereira, sempre com a gente, pronto para atender a quem chegasse.

Meu peito dói de tanta saudade! Mas hoje, quero louvar a Deus, que além de o agraciar com todas essas bênçãos, concedeu a ele o perdão dos pecados. E agora, meu avô Luiz está livre do sofrimento, livre das limitações que a velhice demorou a lhe impor. Agora meu querido avô descansa nos braços do Pai.

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Luiz era meu irmão.
Generosidade era sua grande qualidade.
Minucioso, sempre bem arrumado.
Quando comprava uma camisa, tínhamos que recolocar os botões, gostava de tudo certinho.
Adorava presentear. Todos os anos no Natal, fazia visita as irmãs, cunhadas e tias e levava um panetone, um vinho e uma lembrança.
Era um grande defensor da democracia. Lutou por ela por toda a vida.
Dedicou sua vida as pessoas que amou.
Amava seus sobrinhos, já que não teve filhos, tinha-os como seus filhos também.
Luiz com “z”. Era assim que dizia o seu nome.

De sua irmã, Maria da Conceição.

Luiz nasceu em Barreira (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 96 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta e pela irmã de Luiz, Carolina Vieira e Maria da Conceição Vieira Ferreia. Este tributo foi apurado por Ana Macarini, editado por Ana Macarini, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 1 de agosto de 2020.