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Luiz Roberto Nogueira Pinto

1967 - 2021

Durante a infância, inventiva e alegre, seu local predileto de brincar era a goiabeira plantada no quintal de casa.

Membro de uma família na qual a existência dos antepassados beira períodos de um século, Luiz Roberto viveu pouco mais da metade desse tempo. E viveu de uma forma tão intensa e cheia de energia, que, como sentia a irmã Célia, “parecia que ele sabia que o tempo dele seria curto, pois era muito agitado e queria tudo para ontem”. Esta marca era evidente em todas as dimensões de sua existência, tornando Luiz Roberto uma pessoa tão presente nos espaços por onde circulava, que produziu em muitos a sensação de que ele “está fazendo muita falta!”, como constata a esposa Ana Cláudia.

A relação, digamos, descompassada com o tempo, esteve presente desde o nascimento do filho caçula de Seu Moacyr e Dona Leda. Temporão dos temporões, quando Luiz Roberto nasceu os irmãos Celso e Célia tinham cerca de 20 anos de idade. Assim, o lugar de Célia como irmã acabou se misturando com o de quem também participava dos cuidados com o menino bonito, cheio de energia e alegre, que, somente depois de um longo tempo, como um presente, passou a fazer parte da rotina da casa. O carinho e afeto entre os irmãos era sempre grande e incentivado pelos pais. A ligação com Célia era tão intensa, que, certa vez, levou Luiz, ainda menino, a dizer “eu tenho a mamãe e você”.

“Esse vai ser um bandeirante!”. Foram essas as palavras ditas pelo avô Joaquim nos primeiros dias de vida de Luiz. Numa espécie de intuição e com a felicidade de mais um neto estampada no rosto, olhando enternecido para o menino que acalentava no colo, o avô parecia saber a maneira como o neto se colocaria no mundo.

Emocionada, Célia relembra que a infância de Luiz no interior paulista foi marcada por momentos cheios de poesia. À medida que crescia, o quintal e as árvores plantadas eram seu lugar preferido. Uma goiabeira era a sua árvore predileta. Luiz passava horas cantando e se balançando nos galhos da tal goiabeira. A relação dele com a planta era de tal sorte que quando chegou o tempo de fazer o então chamado “prézinho”, Luiz disse à Dona Leda que não queria ir. A justificativa foi “eu não vou deixar minha goiabeira para ir pra escola, mamãe”. Em alguns dias, Luiz ficava tanto no entorno do pé de goiaba que seu Moacir “chegava a ralhar com ele, dizendo que fosse fazer outra coisa”, relembra Célia.

O dia do casamento da irmã foi um acontecimento muito especial para Luiz. Com cerca de 6 anos, coube a ele a função de levar as alianças até o altar. Na época, Dona Leda mandou fazer um terninho em tom de vinho para que Luiz usasse no papel de pajem. Nos dias que antecederam a celebração, na ansiedade comum à infância, Luiz se dirigia à irmã pedindo que lhe ensinasse o que deveria fazer.

Colecionador de amizades, Luiz Roberto teve muitas. Uma delas com Élcio, desde a infância. Em mensagens privadas na rede social, o também amigo Eduardo, irmão mais velho de Élcio, tem na memória uma cena nítida e inesquecível dos tempos de criança. Na mente, a imagem de Luiz e Élcio “sentados no sofá de casa assistindo TV e o papai passando pela sala em direção ao consultório”. Essa e muitas outras lembranças são fruto de uma bela convivência, que soube acompanhar o crescimento dos três. Além das brincadeiras e aventuras da meninice, os três compartilharam também bons momentos na juventude e na idade adulta. Eduardo recorda também da última conversa que teve com Luiz em busca de algumas informações. Como de costume, Luiz foi solícito e estava pronto para ouvir e atender. Do final da ligação, Eduardo destaca a frase dita pelo amigo: “Se cuida, viu! Se precisar de mim estou por aqui, é só ligar!”. Como bem diz Eduardo, palavras que resumem bem a postura de Luiz para com todos os que com ele conviviam.

Outro fruto da amizade com Élcio foi a turma do “Amoribunda”, um bloco de Carnaval organizado certa vez e que acabou batizando o grupo de rede social dos amigos. Numa mensagem repleta de delicadezas e afetos ele registra seu carinho pelo “nosso amigo de infância e de uma vida inteira. Apesar dos diferentes destinos tomados por cada um, nunca nos desligamos e através da rede social falávamos diariamente, como uma família de amigos e irmãos”. Élcio prossegue dizendo que teve “mais momentos junto a ele do que com meus irmãos de sangue”. Em nome dos amigos do “Amoribunda”, ele fez questão de ressaltar o quanto Luiz Roberto foi importante na vida de cada um que “tem algo a agradecer, de algum favor ou coisa que ele sempre fez por cada um de nós, com um coração enorme sempre disposto a ajudar a todos”.

Outra amizade nos permite contar um fato pitoresco, que bem reflete o espírito bem-humorado e disposto de Luiz e sua constante vontade de ajudar. Ele e Fábio moravam juntos em Promissão e Luiz virou uma espécie de professor dele. Com uma peculiaridade bem engraçada. Quando Luiz chegava da cidade de Lins, onde fazia inglês, os dois subiam para o telhado da casa, que se transformava na sala de aula onde Luiz ensinava inglês ao amigo.

A mesma disponibilidade e disposição para cuidar esteve presente na experiência de Luiz como filho e irmão. Em relação aos pais, o caçula cuidava de tudo que fosse necessário, levava a mãe aos locais onde ela queria ir por prazer ou precisão. Como Seu Moacyr e Dona Leda moravam em Promissão, houve dias em que ele percorria os cem quilômetros entre Marília e a casa dos pais para levar até eles seu sorriso, um afago, saber como estavam as coisas e voltar. Normalmente Luiz pegava a estrada no final do dia e retornava já bem tarde da noite. Com o irmão mais velho, Celso, residente em Tupi Paulista, a cerca de trezentos quilômetros de Marília, acontecia a mesma coisa. Sempre que necessário ele acordava cedo, ia até à casa dele, acolhia as demandas e retornava no final da tarde.

Para dizer da relação de trinta e quatro anos de convivência muito bem vividos de Luiz com Ana Cláudia serão necessários alguns parágrafos. Numa síntese apaixonada e saudosa, Ana afirma que “não tenho nem uma palavra ruim para dizer sobre ele”.

Os dois se conheceram graças a um ir e vir entre Promissão, Lins e Marília no interior paulista. Era a juventude e eles buscavam formação no ensino superior. Luiz morava em Promissão e estudava em Lins. Ana morava em Marília e estudava em Lins. Ele fazia Direito e ela Computação. E neste movimento de estudo e movimentação entre as cidades, num belo dia, o caminho deles se encontrou no “Banana”, um barzinho de Lins frequentado por estudantes. Olhares e conversas culminaram no início do namoro, com direito a viagens para o Guarujá, no litoral paulista.

O amor foi crescendo, o tempo passando e depois de seis anos de relacionamento Ana Cláudia disse a Luiz que era hora de casar. Inicialmente ele escorregava, dizendo ter um certo receio de se casar e não ter condições de manter uma boa condição de vida. Contudo, diante da insistente convicção amorosa de Ana, ele acabou cedendo. Ela conta que “quando entramos na loja para comprar as alianças, emocionado e um pouco aflito, ele tremia sem parar”.

Alianças no dedo, casamento sacramentado e a primeira moradia do casal acabou sendo o imóvel da república onde Luiz morava. Os amigos que moravam com ele saíram e Ana chegou. Foi o início de um relacionamento muito amoroso, repleto de cumplicidade e alegria. Entre os momentos felizes estavam a ida a restaurantes, pois o hábito de comer fora de casa, herdado do pai, Seu Moacyr, era muito presente nos modos de Luiz.

As viagens ao Guarujá continuaram e vieram muitas outras para destinos variados. As datas escolhidas para conhecer lugares diferentes eram os aniversários, de casamento e da esposa Ana. Saudosa, ela recorda que a primeira viagem internacional foi para o Chile e que a mais marcante foi para Portugal, pois foi oportunidade para que Ana conhecesse o país de origem de seu pai. Tudo embrulhado no afeto de Luiz na busca por oferecer experiências diferenciadas e enfeitado por seu bom humor, com as risadas constantes que mantinham seu rosto sempre com um quê de sorriso.

Importante dizer que o tempo escreveu uma história capaz de aplacar completamente os medos de Luiz. Com os anos de um relacionamento muito harmônico, frequentemente ele dizia aos mais próximos: “Casa que é bom”.

Na teia de relacionamentos tecida pela relação do casal entraram muitos parentes. Gilberto, cunhado de Ana, tinha Luiz como um irmão. Ela conta que “o Gilberto tinha mais afinidade com o Luiz do que com o próprio irmão”. Os dois eram parceiros de muitas horas e amigos para qualquer coisa.

Na geração dos mais novos, os sobrinhos também eram bem próximos a Luiz. Em postagem em rede social, o sobrinho João Victor, que chamava Luiz de Betão, fez questão de dizer que ele foi “um dos melhores tios que a vida poderia me dar”. Numa lembrança marcada pela felicidade, João se recorda de uma viagem à praia de Maresias, no litoral norte de São Paulo. Também fazem parte das memórias as idas ao estádio para assistir a jogos do tricolor paulista, pois o tio era um “são-paulino roxo”. O rapaz relembra ainda “de cada momento de risadas e brincadeiras que vivemos juntos e principalmente de todos os momentos em que ele esteve presente transmitindo a melhor energia”.

Os filhos de Célia, Maria Célia e José Augusto, também profissionais do Direito, têm paixão por Luiz Roberto. Em alguns momentos, quando Luiz teve demandas na comarca paranaense de Londrina, Maria Célia chegou a atuar em alguns processos a pedido do tio.

Por sua vez, a sobrinha Ana Júlia segue na mesma linha de agradecer ao tio pela presença alegre e marcante. Tem na memória “todas as viagens que fizemos juntos e os churrascos que eram os melhores junto com ele. Nunca esquecerei da pessoa forte, inteligente e brincalhona que ele era”.

Por falar em churrasco, Luiz apreciava muito as carnes assadas na brasa. Mas nos churrascos em que estava, ele gostava mesmo era de saborear os cortes que saíam da churrasqueira. Na prática, os amigos é que cuidavam de tudo e Luiz ficava “do outro lado do balcão fazendo as brincadeiras dele e garantindo a alegria da festa”. As churrascarias estavam entre seus restaurantes prediletos.

Luiz era diabético, porém adorava doces. Como não abria mão de poder comer de tudo, ele era obrigado a usar insulina. Em suas muitas viagens pelo Brasil inteiro, sempre tinha consigo um pacotinho de doce para o caso de alguma queda na glicose.

A relação de Luiz com os animais e a natureza é um detalhe a mais que não pode deixar de ser registrado. Como os pais nunca deixaram que ele tivesse um cachorro, depois de casado Luiz decidiu ter um cão de companhia. O escolhido foi um cãozinho da raça Yorkshire, que, apesar do pouco tamanho, recebeu o nome de Sansão. A comunicação através do olhar entre os dois era bonita de se ver. O cão chegava, olhava e Luiz já sabia o que ele queria. No mais, também eram muito queridos de Luiz os passarinhos e o contato com a natureza.

Luiz e Ana foram parceiros também no campo profissional. Depois de formado ele abriu um escritório de advocacia e a esposa passou a ser uma espécie de gerente do estabelecimento. Um dos aspectos importantes na parceria foi que os conhecimentos de computação de Ana foram fundamentais para que a atuação de Luiz como advogado fosse acompanhando as mudanças tecnológicas. Juntos eles saíram do tempo em que tudo era feito na máquina de datilografar e rumaram para a era da digitação, para a informatização do escritório e da Justiça, bem como para o advento das audiências virtuais.

No cotidiano do escritório, Luiz era perfeccionista e gostava de cuidar de todos os processos com antecedência. “Se o prazo do processo fosse de quinze dias, no segundo ou terceiro dia ele já deixava tudo pronto”, relata Ana. Nos momentos em que se sentava para escrever uma peça, gostava de silêncio. Por essa razão, normalmente, ele montava as peças de madrugada. Mas quando acontecia de ser preciso escrever durante o dia, todos do escritório, já sabendo disso, não o interrompiam nem faziam barulho.

Com seu jeito acelerado e “bandeirante”, Luiz, além de advogar, nunca deixou de estudar. Fez mestrado e doutorado, além de diversos cursos de atualização na sua área, e acabou por tornar-se professor. O resultado de tanta atividade acadêmica e do dia a dia como advogado culminaram na escrita do livro “Arbitragem: A Alternativa Premente para Descongestionar o Poder Judiciário”, publicado em 2002.

Como não poderia deixar de ser, muitos clientes do escritório acabaram tornando-se amigos de Luiz. Com seu jeito responsável e carismático, o escritório conquistou clientela no interior de São Paulo, além de outras cidades dos estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Para muitos deles Luiz era “um incentivador, conselheiro, assessor respeitado de diversos empresários, tendo participado de momentos difíceis de algumas empresas. Ele era aquele que dava aquele ânimo para que os amigos reerguessem seus negócios”, conta orgulhosa a esposa Ana.

Como tem ficado evidente, a alegria era uma das marcas de Luiz. Fazia piada com tudo. De forma saudável e bem-humorada, tudo que alguém falasse poderia virar uma anedota. Perspicaz nas palavras, para dar graça ainda maior a suas brincadeiras, Luiz usava rimas e, via de regra, a presença dele significava riso garantido. Ana Cláudia frisa que “a alegria dele era contagiante”. Muito falante, nas festas ele era a alegria em pessoa. A memória invejável de Luiz também produzia risos e espanto. É que ele era capaz de lembrar de detalhes muito específicos, como a roupa que alguém usava numa determinada situação. Nas vezes em que ele usava esta habilidade, quase sempre os olhares e expressões eram de espanto e, na sequência, muitas risadas.

Nos momentos em que Luiz estava em casa ou no carro e queria descansar e relaxar a mente, a música era sua companheira. Entre seus hits preferidos está a música “La Isla Bonita” de Madonna. Contudo, o leque de opções da "playlist" dele era bem amplo, passando por músicas de discoteca dos anos 1970 e 80, a artistas como Rick Astley e Whitney Houston; bandas como Men At Work e Kool & The Gang, além de Erasure, Boney M. e Modern Talking. Dos músicos mais recentes ele também gostava de Dua Lipa, Calvin Harris e Rihanna. Ana Cláudia explica que o hábito dele de ouvir música era tão presente entre eles que ela demorou um tempo para voltar a ouvir músicas no carro.

Luiz Roberto, Beto, Betão, “Li” segue vivo nos vocativos carinhosos colecionados durante a vida no ambiente familiar e entre amigos; no respeito e admiração por sua trajetória entre os amigos e no mundo acadêmico; nos conselhos guardados com carinho na memória da sobrinha Ana Júlia; na decisão de Ana Cláudia de voltar à Universidade e cursar Direito, para seguir administrando o escritório de advocacia e nos momentos em que muitos dizem que “o Luiz faz muita falta!”

Luiz nasceu em Lins (SP) e faleceu em Marília (SP), aos 54 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa e pela irmã de Luiz, Ana Claudia Oliveira Cardoso Nogueira Pinto e Célia Maria Nogueira Pinto. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 8 de abril de 2023.