1970 - 2021
Sua inconfundível voz grave e o modo apressado de dizer as palavras expressavam alegria e generosidade.
Foi na cidade mineira de São João Del Rey, onde os sinos dobram e as varandas e janelas com suas eiras e beiras apreciam as procissões, que Magali nasceu e compôs sua história. Com seu jeito alegre, a policial civil, que atuou como escrivã e chefe do cartório da polícia, tornou-se muito conhecida e querida por muitos do lugar.
Vaidosa, no cotidiano Magali gostava de andar maquiada e perfumada, sem nunca deixar de cobrir os lábios com batom em tons de vermelho. As roupas sempre coloridas e cheias de brilho marcavam o estilo do figurino que rotineiramente usava. Sua inconfundível voz grave e um modo apressado de dizer as palavras eram outra característica marcante, que para os mais próximos dizia que ela estava em algum ambiente, independentemente de estarem frente a frente com ela.
Amante de uma boa comida, em alguma medida, Magali podia ser comparada à personagem dos quadrinhos de Maurício de Souza que tem o mesmo nome. Ela não perdia a oportunidade de comer e saborear de tudo. Apesar do diabetes, ela sempre encontrava uma desculpa para relativizar a necessidade de regime de açúcar e comia de tudo. Entre seus pratos prediletos estava o quibe de bandeja da amiga Alessandra. No dia a dia, quase nunca recusava um convite para sair com amigos e provar alguma guloseima pelos bares e restaurantes de São João Del Rey. Ao mesmo tempo, para manter a saúde e ajudar no controle do peso, fazia hidroginástica regularmente. Houve um tempo em que também praticava artes marciais.
Zelosa com as datas dos aniversários dos amigos, Magali fazia questão de marcar os dias de nascimento das pessoas. Chamava para sair, fazia uma visita e invariavelmente mandava uma lembrança, que junto levava o carinho e o respeito com os quais ela sempre se relacionava com todos que passaram por seu caminho.
Com toda a sua energia de viver, durante suas férias Magali gostava muito de viajar. Mala feita, ela partia ao encontro do destino escolhido, o que na maioria das vezes significava curtir uns dias de sol em alguma praia brasileira.
Agradecida pela possibilidade de desfrutar da amizade de “Maga”, Shirley recorda com leveza do “riso muito fácil, da enorme alegria de viver e de seu coração gigante”. O princípio da amizade foi a acolhida generosa e atenciosa que Magali proporcionou à amiga quando de sua chegada à cidade para também trabalhar na polícia civil do Estado.
Entre os acontecimentos que Magali ajudou Shirley a organizar foi um chá de casa nova. A colaboração dela foi fundamental para mobilizar os colegas de trabalho a comparecerem e presentearem a novata com utensílios usados na organização da casa. O presente de Maga, guardado com muito carinho por Shirley, foi uma toalha de mesa pintada pela mãe de Magali, Dona Nice, com as bordas enfeitadas por um biquinho de crochê, também tecido por ela.
O certo é que a generosidade e empatia de Magali eram uma constante no ambiente de trabalho e em outros espaços da cidade. “Ela percebia no ar quando as pessoas não estavam bem e as chamava para conversar”, recorda Shirley. A intenção era sempre ajudar de alguma maneira para que aquele ar de apreensão ou tristeza do colega fosse substituído pela retomada do curso natural dos dias de trabalho.
Como conta Shirley, “Magali não era uma chefe, mas uma líder sempre disposta a estender sua mão amiga, dar um conselho ou um abraço de consolo”. O cuidado e zelo dela pelas pessoas não comportava nenhum tipo de distinção, pois tratava a todos, independentemente do lugar que ocupassem na sua caminhada, do mesmo jeito. Sem nenhum tipo de discriminação, sua dedicação em colaborar era a mesma. Para que se tenha ideia do jeito como ela se relacionava com os colegas, mesmo nos dias em que não estava de plantão, foram muitas as vezes em que Magali passou à noite pela delegacia para saber se os colegas estavam bem e se precisavam de alguma coisa. Shirley acrescenta que a presença de Magali “deixava o ambiente da delegacia um pouco mais leve”.
Nesse movimento de empatia, silenciosa e discretamente, Magali ajudava os mais simples. Somente após sua morte as ações que praticava começaram a vir a público. No momento do luto foram muitos os comentários das pessoas ajudadas expressando sua gratidão pelas atitudes que ela tivera em vida.
Outra característica muito importante de Magali era sua capacidade de se alegrar com as realizações dos outros. Um exemplo aconteceu na amizade dela com Alessandra. Ao saber que a amiga e colega de trabalho fora aprovada para fazer um mestrado em Portugal, Magali ficou esfuziante. Como era época da Festa do Santíssimo, a comemoração do sucesso da amiga aconteceu nas barraquinhas da quermesse. “Foi uma tarde ótima” relembra feliz a amiga Shirley.
Ainda no campo profissional, um fato repleto de carinho e amor aconteceu. Em plena pandemia de Covid-19, chegou o tempo da aposentadoria de Magali. Como era muito querida, os colegas estavam organizando uma festa de despedida, que acabou se tornando inviável diante das recomendações sanitárias de isolamento para evitar o contágio pelo vírus. Assim, todos que quiseram, gravaram um vídeo de despedida dizendo de sua relação com Magali no cotidiano da delegacia. Conta-se que no início de sua atuação na polícia, provavelmente pelo seu jeito de falar e sua intensidade em tudo, ela carregava a fama de rigorosa. Contudo, o tempo demonstrou o contrário e a mobilização para a despedida foi grande, uma vez que ao longo de sua carreira ela conseguiu cativar muitos. No dia marcado para a festa, de forma surpreendente, Magali decidiu pedir sua desaposentadoria, pois não lidou bem com o fato de ficar em casa.
Diante da decisão de Magali, todos os vídeos gravados foram mostrados a ela por Shirley, Alessandra e Maíra, numa demonstração de que ela seria muito bem-vinda de volta ao mundo do trabalho. Shirley conta que “Maga ficou muito feliz e emocionada com as mensagens e se sentiu muito amada por todos”.
Passemos então ao universo pessoal de Magali, que guarda acontecimentos muito bonitos de serem contados. Ela sempre morou com a mãe, Dona Nice. Algum tempo depois, a filha Ingrid também passou a fazer parte do dia a dia da casa. Como “mãe leoa”, Magali teve uma dedicação enorme para com a filha e participou ativamente da vida dela. Shirley conta que, na maioria das vezes em que se encontravam, Ingrid sempre estava com a mãe. Quando a filha foi aprovada no vestibular e iniciou o curso de psicologia, Magali era felicidade e um orgulho só. Contudo, o desejo de ver a formatura de Ingrid não pôde ser realizado.
Não foi somente na delegacia que Magali se relacionou com São João Del Rey e pessoas da cidade. Anualmente, em função do Carnaval e da Semana Santa, Magali participava de outros coletivos de forma bem diversa. No que se refere ao Carnaval, a alegria dela transbordava no compasso ritmado da bateria da Escola de Samba Girassol. Nos repiques dos tamborins, ela ajudava a manter a cadência do samba da agremiação. Antes do dia do desfile ela era assídua nos ensaios onde sempre comparecia com sua energia. No dia do desfile, era hora de vestir a fantasia, pegar tamborim e baqueta e seguir para a concentração. Na passarela, o gingado e o ritmo do samba tomavam conta de Magali, que irradiava alegria.
Alguns dias depois era tempo de participar das tradicionais manifestações de fé que marcam a Semana Santa. Na procissão, Magali representava Salomé, a esposa do rei Herodes que pediu a cabeça de João Batista. Com muito esmero, ela preparava as vestes características da época, que sempre estavam impecáveis. Maquiada e devota, ela percorria as vias da cidade ao som do badalar dos sinos das igrejas que, com seus toques, anunciavam o cortejo.
Magali sonhava em fazer uma bela festa para celebrar seus 50 anos, mas, em função da pandemia, não pôde realizar essa vontade. Planejava também construir uma casa nova num terreno que comprara, mas não teve tempo de tirar esse projeto do papel.
Magali, que foi homenageada por um cortejo de viaturas da polícia civil da cidade, segue viva no cotidiano da delegacia, onde é comum que todos os dias alguém se recorde de sua presença alegre. Vive nas procissões da Semana Santa, quando a filha Ingrid também representa Salomé e sempre lembra a figura da mãe por suas semelhanças físicas. E vive também nas lembranças dos tantos gestos de generosidade que praticou e fizeram a diferença na vida dos colegas da polícia civil e de muitos moradores de São João Del Rey.
Magali nasceu em São João Del Rei (MG) e faleceu em São João Del Rei (MG), aos 51 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela amiga de Magali, Shirley Porto. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 23 de julho de 2023.