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Manoel Santana Ferreira de Lima

1954 - 2021

Contador de histórias e rezador, as pessoas não mediam distância para poder ouvi-lo.

Ele tinha uma capacidade enorme de reunir pessoas em torno dele com seu tom de voz sempre alto, suas risadas, seus causos e suas piadas, e seus bons conselhos, que as pessoas viajavam quilômetros para ouvir.

Seu Santana viveu uma vida digna de ser bem escrita e contada. Era um homem do sertão que amava contar histórias e fazer afirmativas inusitadas. Dizia que um homem tem que ter “catinga” e explicava que, para ele, isso queria dizer que a presença do homem deve ser sentida por onde for, que os outros devem saber que ele está ali ou acolá. E isso acabou virando um causo familiar, porque o neto João dizia que nunca mais iria tomar banho depois que ouviu essa história do avô, pois a tomou ao pé da letra.

Além de contador de histórias ele era um exímio fazedor de amizades, que afirmava: "Temos que fazer amigos até o final da vida". E ele praticava o que dizia, como relata o filho Gilson: “A última amizade que ele construiu foi com o paciente do quarto 107, em frente ao seu, o 108. Sentados em suas camas e de portas abertas, comunicavam-se por gestos, e ele até conseguiu convencer meu pai a beber mais água”.

Manoel era um ótimo exemplo de doação e fé. Era rezador, mas dizia que sempre absorvia a energia de quem ele rezava e sentia-se bastante cansado depois das suas rezas, mas, mesmo assim, não se negava a rezar por ninguém. Às vezes, chegava da roça e não tinha tempo nem de tirar a roupa, o chapéu de couro ou sua bota furada. Quando isso acontecia, Dona Chaga dizia para ele não ir porque estava cansado, ao que ele respondia: "Mas Chaga, esse povo veio de longe, não posso deixá-los voltar sem rezar".

Ele amava sua família acima de tudo, e sua esposa esteve em seus pensamentos até o seu último dia, quando queria se recusar a permanecer no hospital e, preocupado com ela, retrucou ao filho Gilson — que lhe dizia ser ali o melhor local para ele — com as palavras: "Tá, meu filho, mas como fica a Chaguinha se eu ficar aqui? Ela tem pressão alta..."

Essa dedicação estendia-se a todos, conforme relata Gilson: “Meus pais me contaram que quando nasci, em um dia de aperto, meu pai teve que decidir entre um maço de fumo e um pacote de açúcar para o meu mingau. Para o meu bem e o dele, escolheu o açúcar e disse que nunca mais iria fumar — e foi dito e feito”.

Gilson, dentre os seis filhos de Santana, era o que mais se parecia com ele, conforme ele mesmo conta: “Meu pai e eu éramos um só: no peso, na altura, na fisionomia séria, no jeito de andar. Eu sou o mais parecido fisicamente com ele e até na forma de pensar tem algo dele que sempre esteve em mim”.

Manoel era um daqueles homens que os filhos nunca viram chorar ou ouviram dizer que os amava, mas nunca duvidaram de sua sensibilidade e do seu amor. Ele apenas não sabia como dizê-lo porque, na opinião do filho, provavelmente também nunca ouviu isso do pai dele.

A vida de Seu Santana encerrou-se na manhã do seu 67º aniversário, mas suas lições de vida ficarão para sempre, principalmente aquelas em que encorajava os filhos a serem valentes diante das dificuldades da vida afirmando: "Defronte um problema devemos sempre procurar a solução. Por que o problema já existe, a solução, não!"

Manoel nasceu em Buriti Bravo (MA) e faleceu em Imperatriz (MA), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho de Manoel, Gilson Tavares de Lima. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 19 de novembro de 2021.