1938 - 2020
O espanhol mais carioca. Ah, e flamenguista!
Manuel chegou no Brasil em 1955, com 17 anos. Veio de navio com seus pais em longos 18 dias. Sempre morou em Santa Teresa.
Trabalhou em uma oficina de carros e depois partiu para o comércio alimentício. Teve alguns restaurantes e lanchonetes, porém o que ficou mais marcado nas memórias foi a Pensão da Guia, na Rua do Rosário, no Centro do Rio de Janeiro. Ele se casou em 1971 e teve três filhos. E estas são algumas memórias de sua caçula: "Quando éramos crianças, era sagrado todo domingo pegar o bondinho de Santa Teresa e descer na Carioca. Primeira parada era uma banca de jornal no meio do Largo da Carioca onde comprávamos gibis e pacotes e mais pacotes de figurinhas. Depois continuávamos em direção à pensão. Papai ia ligar geladeira, limpar, organizar o salão. Na volta para casa, pegávamos o bondinho de novo, e antes, passávamos na igreja de Santo Antônio. Papai trabalhava muito. Todos os dias saía de casa por volta de 4 horas da manhã e só voltava à noite. Então, domingo era dia sagrado dele ficar com a família. Mesmo depois, quando crescemos, esse costume dos domingos se manteve. Crescemos, casamos, mas os domingos sempre foram meio sagrados para nós. A gente se reunia na casa do papai para o famoso almoço de família. A família não cresceu muito... Somos em três irmãos e dois netos (amores da vida dele). Papai sempre foi 100% família em primeiro e único lugar. Seu Manolinho era turrão toda vida. Reclamava de tudo e dificilmente elogiava alguma coisa (rs), era o jeitão dele. Até hoje, o homem mais honesto que conheci em toda minha vida. Sempre foi pé no chão, regrado, organizado, planejado... Papai era aquele homem das antigas, que sabia fazer de tudo um pouco: era comerciante, pedreiro, bombeiro, eletricista, encanador, gasista, enfim, de tudo um pouco. Homem forte, valente, de opinião firme e própria. Flamenguista, mas não dispensava nenhum jogo que passasse na TV, sempre acompanhada da narração via rádio, em um fone de ouvido. Adorava ir ao Maracanã e vivia contando dos tempos da Geral. Aliás, ele adorava palestrar sobre os lugares na época em que ele chegou no Brasil, depois como foi evoluindo até ser o que era hoje. Cada lugar que íamos ele contava a história. Acompanhava todo noticiário de rádio, TV e por último, internet. Não votava, porque nunca se naturalizou ou buscou dupla cidadania, mas era politizado. Acompanhava toda política com todas as suas críticas que lhe eram pertinentes. Se pudéssemos, certeza, faríamos dele um ser eterno. Dias antes de iniciar a quarentena, papai, por ainda ser bastante ativo, subiu em uma escada dessas de alumínio. A escada escorregou e ele despencou lá de cima. Bateu cabeça e diversas partes do corpo, fraturando o fêmur. Havia necessidade de operar e por isso foi internado. A cirurgia levou oito dias porque precisava estabilizar algumas taxas do seu exame de sangue. Dois dias após a cirurgia ele teve alta. Foi para casa, porém poucos dias depois começou a apresentar febre e falta de ar. Foi internado novamente com suspeita da COVID-19. Foi para a UTI e precisou do entubador e respirador mecânico. Dois dias depois papai faleceu. Perdemos nosso herói, mas ganhamos um anjo: Manuel, vulgo Manolo.
Manuel nasceu em Oviedo, Astúrias (Espanha) e faleceu no Rio de Janeiro, aos 82 anos, vítima do novo coronavírus.
História revisada por Rayane Urani, a partir do testemunho enviado por filha caçula Raquel Klein Sion Costal, em 16 de julho de 2020.