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Márcio Antonio Trevenzoli

1981 - 2021

Um anjo, capaz de parar seu caminhão à beira da estrada, comovido por ver uma pequena criança andando sozinha.

Márcio era o caçula de sua família e chegou ao mundo como um lindo bebê que com os seus cinco quilos era o maior da maternidade naquele momento. Infelizmente, por problemas de saúde, sua mãe não lhe pôde dispensar todos os cuidados necessários, mas isso não se constituiu um problema, porque a irmã Rosângela, única mulher entre vários irmãos homens, dele cuidou como se fosse o seu bebê. Levava-o para cortar cabelo, para passear sozinha ou com os namorados e ele acabou sendo também mimado por eles com brinquedos e presentes.

Conheceu Lílian na Cidade de São José do Rio Preto, quando sua família se mudou para lá em busca de um transplante para a mãe. Ela sabendo que entre os novos vizinhos estava um jovem rapaz do qual não sabia nome e nem idade, com a curiosidade de toda adolescente ficou atrás do muro à espera dele descer com a mudança. Eis que ele chega carregando uma geladeira, cuja porta se abriu e ele, ao ajeitá-la a viu atrás do muro, todo tímido e envergonhado foi para dentro da casa.

Sobre esse momento, Lílian relembra: “...Eu posso dizer que não sei se foi amor à primeira vista, contudo acredito que sim. Nossa história foi muito precoce, nos conhecemos cedo e tudo foi muito rápido na minha vida com o Márcio. Me lembro bem que falei para minha mãe: “Meu príncipe encantado chegou”. É que eu dizia constantemente que iria chegar e eu não sabia se à cavalo ou de carro e, no meu caso, veio de Monza Ret cinza...”

Conheceram-se em 31 de agosto de 1997. Uma data marcante, porque foi o dia em que a Princesa Daiana sofreu o acidente que lhe roubou a vida. Casaram-se em julho de 1999 e em janeiro de 2000, Lilian engravidou de Gustavo, o primeiro filho deles; apesar da imaturidade própria da idade, receberam a notícia com grande alegria. Em 2005, chegou o caçula Kauan, embora um já estivesse com 21 anos e o outro com 16 por ocasião de sua partida, ele ainda os considerava como seus bebês.

Resumindo sua história de amor, Lílian conta: “O Márcio era meu anjo. Me ensinou que nada na vida vale mais a pena do que o amor. Me fez a mulher mais feliz do mundo e cuidou muito de mim. A maior lição deixada foi que o nosso amor valeu a pena. Não foi por acaso que nos conhecemos e que tudo que passamos juntos foi um grande aprendizado para crescermos”.

Márcio era uma pessoa alegre, positiva que amava a liberdade de poder andar pela casa nu ou enrolado na toalha. Aliás, quando fala de histórias marcantes entre os dois, Lilian se recorda da sua noite de núpcias: quando estava no box, viu uma sombra e levou o maior susto. Era ele todo tranquilo e na maior intimidade usando o banheiro. Ela confessa que na hora não gostou muito, entretanto depois se acostumou e isso acabou gerando muita gargalhada para o resto da vida.

Em termos profissionais, ele trabalhou como servente de pedreiro e muitas outras profissões sem nunca reclamar. Foi motorista de um guincho que lhe exigia estar a postos dia e noite, debaixo de sol ou de chuva. A partir daí, nos últimos anos, conquistou outros caminhões, contratou funcionários que, por último, só administrava.

No trabalho passou por diversas situações peculiares e, a mais inusitada, aconteceu certa vez quando passando pelo Rodoanel, viu uma criança sozinha na estrada e nem perdeu tempo pensando no que iria fazer. Imediatamente parou para saber o que a criança estava fazendo ali sozinha. O menino que aparentava ter uns 6 anos não sabia dizer onde morava e nem como havia ido parar ali. Então, ele o colocou dentro do caminhão e foi conversando com ele para acalmá-lo até chegar a um Posto da Polícia Rodoviária, onde o deixou aos cuidados dos guardas, não sem muita pena e até o desejo de levá-lo para sua casa. Seu coração ficou ainda mais apertadinho, quando o menino acenava para ele quando se distanciava do local.

A exemplo desse caso, ele adorava ajudar as pessoas. Era um homem incentivador, uma excelente companhia, que amava estar com os irmãos e também ir à praia. Unia estes dois prazeres indo quando possível à casa que um dos irmãos possuía à beira-mar.

Sua comida preferida era o churrasco e usava incessantemente o jargão: “Eu tenho todo tempo do mundo”.

Márcio nasceu em Guarulhos (SP) e faleceu em Guarulhos (SP), aos 40 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela esposa de Márcio, Lilian Santos de Sá Trevenzoli. Este tributo foi apurado por Mariana Nunes, editado por Vera Dias, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e moderado por Ana Macarini em 15 de fevereiro de 2022.