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Margarida Will Ucher

1934 - 2020

Uma flor, não só no nome. Com sua simplicidade, bondade e amor, conquistou o afeto de todos que a conheceram.

Dona Margarida, ou Guida, como a chamavam os mais próximos, nasceu em 1934, em Afonso Cláudio, interior do Espírito Santo. Filha de camponeses, descendentes de alemães e portugueses (ou “de origem portuguesa”, como ela gostava de se referir), aprendeu desde cedo a importância do trabalho e o valor da família. Tinha lindos olhos azuis – azuis como o céu nas tardes mais ensolaradas. Tinha, também, um largo e sincero sorriso que recepcionava a todos.

Sempre muito trabalhadora, não se importava com o que trabalhar, desde que fosse um trabalho justo: lavava roupa para fora (tudo na mão, já que, na época, máquina de lavar era raridade) e foi agricultora por muito tempo (principalmente nas colheitas de café).

Ainda moça, casou-se com Bertholdo Will, o maior amor de sua vida, com quem teve oito filhos. Viveram juntos na zona rural de Colatina (ES) e depois se mudaram para São Gabriel da Palha, pequeno município capixaba praticamente desbravado naquele tempo, repleto de onças e casas cobertas com palha. Infelizmente Bertholdo faleceu em 1992, vítima de um atropelamento. O falecimento de seu esposo, porém, não diminuiu o amor. Dona Margarida permaneceu fiel a ele e nunca mais se casou.

Desde que ficou viúva, dona Margarida passou a viver com sua filha e fiel escudeira Marilene. As duas eram unha e carne; relação mais pura de amor entre mãe e filha, desconhece-se. Dona Margarida também ajudou na criação dos filhos de Marilene (Zuza), Caio e Ryan, netos que tratava como filhos. Guardiã da família, também tinha a neta Cláudia (Luca) como uma filha. Nutria um carinho especial pelo filho caçula, Valdir, que carinhosamente apelidou de Mazé.

Humilde, teve poucas oportunidades e era analfabeta. Apesar de não ter tido condições de aprender a ler e escrever e a despeito das dificuldades, sempre incentivou os estudos. Graças ao esforço de dona Margarida, seu neto Caio, egresso de escolas públicas, foi um dos poucos alunos de sua turma a conseguir chegar a uma universidade federal; cursou Direito, para o orgulho da vovó.

Dona Margarida era extremamente simples e honesta. O que mais gostava era estar perto da família e dos amigos. Boa de prosa, adorava conversar e contar suas histórias de vida. Sua principal distração era a televisão, até interagia com seus programas preferidos.

Não suportava qualquer tipo de injustiça nem tolerava a maldade. Apesar das dificuldades, sempre acreditou em dias melhores e buscava ver o lado bom em todas as pessoas e em todas as circunstâncias.

Fiel a Cristo, manteve-se leal a seus princípios religiosos e gostava muito de frequentar a igreja, onde tinha muitos amigos. Dias antes de adoecer, teve a oportunidade de tomar a Santa Ceia em casa, algo muito importante para sua paz espiritual e comunhão divina.

Nos últimos anos de vida, dadas as limitações físicas, quase não saía de casa. Cumpriu o distanciamento social à risca, mas infelizmente, mesmo reclusa em casa, foi infectada pelo coronavírus. Passou alguns dias no hospital local, mas, com o agravamento do quadro, teve que ser transferida para a UTI de um hospital em Colatina, distante cerca de 80 km de seu lar.

Ao ouvir seus familiares desejando melhoras e que ela retornasse para casa, dona Margarida, respondeu que “voltaria se Jesus a levantasse”.
Na manhã do domingo 2 de agosto de 2020, o céu ganhou sua flor mais bela: Margarida. Ela lutou bravamente, mas não resistiu ao coronavírus e retornou aos braços do Pai.

Aquela mulher doce, de coração gigante e com nome de flor partiu em paz, sem deixar nenhum inimigo ou desafeto, apenas muita saudade no coração de todos. Viveu do modo mais pleno, digno e valoroso. Não pôde ser velada, a despedida foi à distância. Sua partida encheu de lágrimas seus amados filhos, netos, bisnetos, tataranetos, familiares e uma legião de amigos e admiradores.

Sua simplicidade, seu amor incondicional e seu sorriso cativante e afável jamais serão esquecidos por todos aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-la. Uma heroína!

Margarida nasceu em Afonso Cláudio (ES) e faleceu em Colatina (ES), aos 86 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo neto de Margarida, Caio Cézar Will Neri Dias. Este tributo foi apurado por Rayane Urani, editado por Caio Cézar Will Neri Dias, revisado por Paola Mariz e moderado por Rayane Urani em 20 de setembro de 2020.