1938 - 2020
Mulher de fé, frequentava às missas de domingo e jogava, religiosamente, no bicho, de segunda a sexta.
Se eu tivesse visto minha avó por uma última vez, teria lhe pedido um pano de prato pra enfeitar minha casa nova. Daqueles lindos que ela bordava, com ponta de crochê e tudo o que tivesse direito. Já tinha até lugar programado: em cima do forninho, mesmo lugar onde estava o rádio de antena quebrada (e um chiado terrível), que ela usava para finalidades variadas, desde colocar água pra benzer a pegar o resultado do jogo do bicho.
Dona Lia era a pessoa que mais dava importância aos sonhos que eu conheço: incentivava-os, pedia detalhes. Depois passava horas tentando convertê-los num passe de jogo: macaco e cobra!
Mulher de fé, adorava uma missa e a novela dos aposentados.
Implicava religiosamente com o marido no café da tarde. Ria de chorar quando alguém contava uma história engraçada e sempre me perguntava "por que é que velho tem cheiro de formiga?"
Ela gostava muito de estar em casa rodeada dos seus. Não fosse isso, tenho certeza que teria se tornado empresária de grande sucesso no ramo dos doces: criadora e desenvolvedora das balas-delícia, foi generosa o suficiente para ensinar a alguns o ofício.
Ensinar, inclusive, era uma coisa que fazia bem. Professora desde jovem, aposentou-se cedo e dedicava-se com empenho à educação da família que construiu. 8 filhos. Dona Lia era, antes de tudo, corajosa. E perfumada! Não admitia o tal cheiro de formiga nela não.
Vestida com seus famosos conjuntinhos, ainda consigo vê-la na poltrona do canto da sala com algum de seus bordados na mão, sorrindo.
Bença, vó, descanse em paz.
Maria nasceu em Francisco Sá (MG) e faleceu em Montes Claros (MG), aos 82 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Maria, Gabriella Dias. Este texto foi apurado e escrito por Gabriella Dias, revisado por Francyne Nunes e moderado por Rayane Urani em 14 de março de 2021.