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Maria Aparecida Souza dos Reis

1968 - 2020

Realizou o sonho de ser professora, em Italva, compartilhando carinho, alegria e amor com seus alunos.

A história de Cida é tão rica de detalhes que foi difícil para Márcio, seu segundo marido, escolher os melhores momentos para esta homenagem.

Ela se autodenominava guerreira por ter passado por tanto sofrimento na vida, mas trazia estampado no rosto um sorriso encantador, que iluminava todos ao seu redor, inspirando fé e esperança.

As dificuldades começaram quando ela veio ao mundo, num parto muito difícil. As complicações foram tantas, que não teria sobrevivido se não fosse a interferência divina.

Era a filha mais velha de Jacy e Maria de Lourdes. Depois vieram Silvana, Jacimar e Marcos. Passou toda a infância e adolescência na zona rural de São João do Paraíso — distrito de Cambuci — e logo tornou-se responsável por afazeres e encomendas na "rua", como são denominados alguns pequenos favores em cidades do interior.

Ela parecia aceitar os fatos da vida como desígnios de Deus. Relatava tudo com a maior simplicidade, mesmo os fatos mais difíceis; como da vez em que estava a se maquiar — brincando de atriz com sua irmã — e Silvana espirrou o desodorante nela, perto de uma lamparina, incendiando seus cabelos e sua roupa. O acidente lhe custou dois meses de internação, num hospital localizado na cidade, e ela ficou todo esse tempo sozinha, porque os pais eram tão pobres que não tinham condições de pagar a passagem de ônibus.

Para frequentar o Colégio, precisava fazer uma longa caminhada. Nesse percurso, que durava uma hora, ela se divertia brincando com a irmã e as primas, e começou um namoro proibido pelo pai, como num enredo de novela.

O tempo passa, seus estudos prosseguem e ela se torna uma linda mulher. Casa-se com Vicente, um pequeno proprietário rural, e logo nasce a filha Ariane. Ela adota a família do marido e se torna a figura principal do Sítio Pau-Ferro, resolvendo todas as pendências familiares. Trabalhava também como doméstica em casa de família e na roça, colhendo quiabo, jiló, tomate, plantando capim. Nesse período, nasce o segundo filho, que recebe o nome de Marcos em homenagem a um tio falecido.

Seu primeiro casamento durou quinze anos. Nesse meio tempo, Cida forma-se no Curso Normal e começa a trabalhar como professora, dando aulas de alfabetização numa escola do distrito de Cruzeiro, onde se apaixona pela profissão.

Logo consegue seu primeiro cargo público como auxiliar de serviços médicos no Pronto Socorro da Prefeitura de Cambuci. Ali teve Márcio como colega de trabalho durante oito anos e dividia com ele os pormenores de sua história. Apaixonado pelo sorriso que ela nunca perdeu apesar de tanto sofrimento, Márcio veio a se tornar, mais tarde, seu segundo esposo.

Ela sempre apreciou estudar. Por atribulações da vida, não pode concluir os cursos de Biologia e Pedagogia em que havia ingressado. Mas, aos 49 anos, conseguiu realizar o sonho de ser professora em duas escolas, no município de Italva, compartilhando carinho, alegria e amor com seus alunos.

O mesmo amor e carinho que ela dedicava às suas três paixões: Yuri, Sophya e Alice, os netos que vieram após o casamento dos filhos.

Para Márcio, foi Deus quem quis esse anjo perto de d’Ele; essa mulher guerreira, amorosa, mãe, professora, cristã, devota de Nossa Senhora Aparecida; um ser humano maravilhoso, que se despediu deste mundo no melhor da vida.

As conquistas de Maria Aparecida foram tantas, que permitiram a Márcio contar sua bela história. E conforme ele diz, a saudade que sente da esposa “só não é maior que a felicidade da companhia desse anjo, com quem Deus permitiu que eu compartilhasse minha vida”.

Maria nasceu em Cambuci (RJ) e faleceu em Bom Jesus do Itabapoana (RJ), aos 52 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo marido de Maria, Marcio Garcia Pereira. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 27 de julho de 2021.