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Maria Benedita de Araújo Moura

1960 - 2020

Com sua gargalhada contagiante, gostava de conversas demoradas e de jogar bingo com as irmãs até o dia raiar.

Maria Benedita – a “Dita” – era uma mulher autêntica e extremamente sincera! “A tia Dita era assim, se ela gostava de alguém, ela realmente amava! Mas quando não gostava, nem disfarçava; não fazia questão de esconder o sentimento apenas para atender as convenções!”, conta a sobrinha Carine.

Formada em Contabilidade, adorava os números! Motivo de orgulho para toda a família, foi a primeira mulher negra a trabalhar em um escritório administrativo de uma empresa conservadora, a extinta “Fiação Sul Americana”.

Sua gargalhada contagiante e seu sorriso incomparável – lindo e escancarado – já revelavam: era aquele tipo de pessoa “pau para toda obra”. Extremamente leal e com muita alegria de viver, gostava de conversas demoradas. Mãe zelosa, avó coruja, esposa apaixonada, tia amorosa e irmã presente, apreciava muito estar rodeada pela família, amigos e amigas. Era capaz de passar uma noite inteira, até o raiar do dia, jogando bingo com as irmãs.

Cozinhar era uma de suas grande paixões! Aproveitava então seu talento para juntar todo mundo em volta da mesa! Considerada a cozinheira oficial, assumia a execução de cardápios deliciosos nos encontros de família! Seu tempero secreto era o amor que adicionava a cada prato! Ela caprichava mesmo e não tinha quem não se encantasse e não se derretesse por suas iguarias.

“Eu convivi intensamente com a minha tia, moramos no mesmo quintal praticamente toda minha vida. Ela era a nossa referência, o que queríamos ser quando crescêssemos. Era linda, um sorriso maravilhoso, um coração gigante. Solteira e independente, nos recebeu com todo amor quando minha mãe, recém separada e desempregada, com crianças pequenas, mudou-se para o seu quintal. Naquela época ela tinha seu próprio carro – a famosa Brasília azul – e nos levava para comer pizza brotinho no Grupo Sérgio!”, lembra com carinho a sobrinha Carine.

Dita era amorosa, não fazia diferença entre os sobrinhos e as sobrinhas. “A não ser com o Everton, seu preferido – e por conta disso, foi o que cresceu mais sem vergonha!”, brinca Carine, rindo da lembrança. Era aquela tia que nunca deixou faltar o ovo de chocolate na Páscoa e o brinquedo no Natal!

Com um sorriso no rosto, Carine lembra das estripulias da infância: “Tia Dita estipulava regras e às vezes se zangava e ficava bem bravinha! Mas também, eu e a minha prima Ci éramos de lascar! Quantos sapatos nós destruímos, brincando de andar de salto pelo quintal? E roupas então! Quantos vestidos nós estragamos, arrastando de lá pra cá? E claro, depois das broncas, jurávamos que não colocaríamos mais as mãos em nada! Sem contar os namoros... Nós éramos uma prova de fogo para qualquer rapaz que se aproximasse dela!”

Tia Dita casou-se e dessa relação de muito amor nasceram dois filhos. Carine conta que, de repente, ganhou “bonecos de verdade para brincar”. Era uma alegria ajudar a tia a cuidar dos primos: trocava fralda, dava comida, brincava, acompanhava no médico, olhava a lição da escola.

A relação de cumplicidade entre Carine e Dita foi só se fortalecendo com o passar dos anos. Eram muito amigas, confidentes e Carine se diverte ao lembrar da intensa convivência: “Eu costumava dizer que morava em comunidade porque era tudo junto e misturado. Tia Dita era jogo duro, às vezes um pouco teimosa, não gostava de ser contrariada. Então a gente brigava, eu reclamava da falta de privacidade. Mas, de fato, eu era muito feliz – e talvez não soubesse disso! Para além das tristezas e alegrias, dividíamos tudo: cremes de cabelo, tênis, roupas, cartões de crédito, cheques, etc.”

“Tia Dita participou de muitos momentos da minha vida: os inícios de namoro (ela implicava e encontrava defeito em todos os rapazes; todos eles tinham duas sogras: minha mãe e ela!), a época da faculdade (que alegria comer pipoca com bacon todas as vezes em que ela ia me buscar), a minha formatura (como ela dançou naquele baile!), no nascimento do meu filho (o João era o terceiro filho dela). A falta que ela me faz é porque nunca foi uma ‘tia de final de semana’. Era tia de hora em hora, do dia a dia. Que privilégio ser sua sobrinha!”, relembra Carine, com o coração cheio de amor.

Dita vai fazer muita falta aqui nesse mundo. “É tão difícil imaginar a vida daqui pra frente sem a minha tia tão amada, mas eu sinto que não posso prendê-la. Deus a escolheu, tenho que deixá-la ir. Onde estiver, que ela possa receber muita luz, paz e amor. Que ela olhe por nós lá do céu!” E Carine finaliza, com o coração transbordando de gratidão: “Eu te amo muito, tia Dita! Infinito! E para sempre!”

Maria nasceu em Carapicuiba (SP) e faleceu em Osasco (SP), aos 59 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela sobrinha de Maria, Carine Simões. Este tributo foi apurado por Thaíssa Parente, editado por Claudia Saviolo, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 28 de março de 2021.