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Maria da Conceição Araujo Serra

1934 - 2020

Dizia que tinha treze cordas em seu coração, referindo-se aos filhos que tanto amou.

Aos 15 anos, conheceu o amor no encontro com o companheiro de sua vida. Os dois fugiram para se casar porque, de início, sua família não aprovava a união. Mas, o jovem casal superou todas as adversidades e permaneceu unido pelos cinquenta e um anos seguintes. Mesmo depois de ter ficado viúva, em 2002, Maria da Conceição continuou a nutrir o amor pelo marido: guardava, em seu quarto, com muito carinho, o terno branco que ele tanto gostava de usar.

Juntos, construíram uma família com 13 filhos: Maria da Conceição se referia a eles como "as treze cordas de seu coração". Criou e educou-os com muita determinação e garra, e foi mãe também para os cinco netos que vieram, a quem dedicava todo seu amor e cuidados. Ela sabia exatamente aquilo do que cada um mais gostava e, sempre que podia, não poupava esforços para fazer agrados.

Maria da Conceição cozinhava mingau de arroz para os netos quando crianças, mas o alimento preferido de sua neta Edvania era manga — gosto compartilhado com a própria avó que, quando conseguia comprar a fruta, fazia questão de guardá-la para a neta e também se certificava de que ninguém mexeria no "presente".

A neta relembra que tinha uma amiga de quem a avó não gostava. "Mas ela sabia que minha avó era louca por manga, igual a mim; então, levou um saco de mangas para conquistar o coração dela. E deu certo."

Maria da Conceição era teimosa, ela não gostava de ser contrariada. Em compensação, espalhou carinho e afeto por onde passou, cativando corações.

Os bons momentos povoam a memória de seus familiares e amigos tão queridos: as rodadas de jogos de carta, nas quais ela sempre arrasava no baralho; ou os solos que seu marido tocava ao saxofone e que ela amava ouvir.

Era uma avó coruja e, também, uma verdadeira mestra. Foi com ela que Edvania aprendeu a fazer todas as tarefas do lar. Observando a avó em sua máquina de costura, ela aprendeu a costurar roupas. E foi olhando-a cozinhar, de cima de um banquinho, que ela aprendeu a cortar frango e a preparar um bolo de tapioca que só Dona Maria da Conceição sabia fazer.

Sempre que viajava para visitar os filhos que moravam em Manaus, Maria da Conceição trazia consigo vários perfumes importados, o que lhe rendeu o apelido de "Cheirosa". Ela gostava muito de passear, mas um de seus maiores passatempos, quando idosa, era resolver cruzadinhas. Era esperta e cheia de opiniões, e nem mesmo o mal de Alzheimer, que a acometeu no final da vida, tirou seu raciocínio afiado. "Não tenho papas na língua", era o que ela mesma dizia.

Mesmo quando adoeceu, manteve sua personalidade forte, irritando-se quando algo a contrariava. Ao precisar fazer o teste PCR, bateu na mão do técnico de enfermagem, perguntando se ele estava ficando doido colocando aquele canudo em seu nariz. Maria da Conceição entrou andando no hospital quando precisou ser internada, ralhando com toda a equipe médica, porque não queria trocar suas roupas pelo pijama de paciente.

Depois de ter distribuído tanto cuidado e amor para as pessoas a quem quis tão bem, a "Cheirosa" será lembrada como a senhora forte, um pouco teimosa, e imensamente amorosa que foi em vida. Agora, olha por todos em um lugar melhor, ao lado de seu esposo e de seus filhos, com o mesmo sorriso fácil de sempre.

Maria nasceu em São João Batista (MA) e faleceu em São Luís (MA), aos 85 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Maria, Edvania Araujo Serra Saraiva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Victoria Vital, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 23 de março de 2021.