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Maria das Neves de Albuquerque

1934 - 2020

No diploma dos netos, estão seus conselhos e esforços para ajudá-los a se formarem.

Dona Maria não aprendeu a ler e escrever, mas mostrou o valor dos estudos para a família. Quase todos os netos formaram-se, fruto de seus conselhos e investimentos, arcou com a educação de alguns, mesmo com os poucos recursos que tinha. Viu formarem-se jornalistas, psicólogos, professores e assistentes sociais que deram orgulho para ela.

Com uma prole numerosa, 11 filhos, o salário do marido policial não era suficiente. Ela vendia tapiocas na esquina de casa para gerar renda. Depois de ficar viúva, continuou a viver pelos familiares. Nessa altura, já era avó de muitos. Tudo que ganhava revertia em bem-estar para os seus.

"Nós insistíamos para que ela gastasse com ela, mas não adiantava, tudo era para nós", conta o neto Rafael, que tinha a avó como mãe. Os pais dele viveram um tempo com dona Maria e, quando saíram de lá, ela não aguentou de saudade, levou-o para perto, onde ficou de vez.

Era um tipo de mãe e avó que queria todos por perto, por isso, outros netos passaram longas temporadas com ela, a maioria acompanhados dos pais. Em sua casa, chegaram a morar 16 pessoas, mais a filha Nil com três crianças e o marido em uma moradia anexa que a senhorinha construiu.

Algo que deixava dona Maria com um sorriso largo no rosto era cantar com o neto Rafael, deitada na cama. Ele perdeu as contas de quantas vezes os dois entoaram "Trem das Onze", música que desperta as melhores recordações da avó-mãe.

O rapaz ensinou a avó a escrever o nome. Não raro, encontrava Maria no quarto, treinando. Também via diversas folhas com a assinatura dela, uma sob a outra, formando um calhamaço com os esforços para fixar a lição. Foi uma grande alegria aprender a assinar, não só para ela, mas para Rafael também.

Amava ouvir notícias no rádio. Acordava bem cedo, varria o espaço de frente da sua casa, caminhava e seguia com sua rotina nos cuidados com todos.

Após algumas doenças agravarem, ela passou diversas funções para o neto Rafael. "Eu recebia dinheiro com ela, já fazia as compras por ela, ia ao açougue. Terminei fazendo tudo que ela me ensinou a fazer na vida toda", relembra.

A senhorinha ativa chegou a ter que amputar a perna, momento em que a família pensou que ela entraria em depressão. No entanto, surpreendeu a todos com a leveza com que encarou a nova condição. "Deus quis assim", dizia, atitude parecida com a que teve durante toda vida.

"Independente do que acontecia, ela acreditava que o Senhor cuidava de tudo. Tinha muitas responsabilidades, mas sabia que Deus era soberano", afirma Rafael. Aos domingos, frequentava os cultos, um dos vários sinais de sua fé.

Hoje, ela repousa no descanso celestial, assim como a filha Nil, também vítima de covid-19. Vive na memória e coração da grande família que deixou na Terra.

Maria nasceu em Maceió (AL) e faleceu em Maceió (AL), aos 85 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho/neto de Maria, Rafael Cesar de Albuquerque Santos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Talita Camargos, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 29 de junho de 2022.