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Maria do Carmo Batista da Silva

1978 - 2020

Mesmo em tratamento, reunia as receitas dos renais transplantados que moravam em outra cidade e ia até a farmácia por eles.

Chegou neste mundo para nos alegrar e mostrar que, apesar de todas as dificuldades como paciente renal, sua superação e força alimentaram a sede de viver.

Iluminada, dotada de beleza, força, garra e amor, na nossa história você é protagonista, heroína.

Hoje e sempre vive dentro do nosso coração. Agradecemos por nos presentear com sua existência. Não diremos "adeus" e sim "até logo".

Saudade eterna de todos que te amam.

Com amor, Iramar Gonçalves.

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Esta é uma homenagem de Cleide Gonçalves para sua prima, Carminha:

Todos chamavam-na, carinhosamente, de Carminha. Era solteira e não teve filhos, pois aos 18 anos iniciou uma batalha pessoal ao enfrentar uma doença que causa a perda da função renal, levando Carminha a anos de hemodiálise. Batalha que perdurou enquanto viveu.

Quando estava em tratamento, ela sempre mantinha contato e dizia que iria passar por mais aquela, mesmo quando estava assustada, sua esperança era contagiante.

Eu a conheci em 2002, ano em que completei dois anos de transplante renal. Naquele momento eu conhecia uma colega renal, porém, não precisou de muito tempo para enxergar que se tratava de mais um presente que Deus me dava: conhecer um ser humano incrível.

Logo depois, Carminha e sua amiga Elialba resolveram que juntas iriam buscar o transplante, no entanto, ela teve que mudar de cidade, indo morar com a sua mãe em Fortaleza, no Ceará. Era mais um passo em sua batalha, mas a esperança da conquista de conseguir um rim novo para uma nova vida era grande. Só quem já passou por esse tratamento tem ideia dos sentimentos e sensações que temos, então posso afirmar que Carminha enfrentou vinte e três anos de muita luta, com sua forma única e peculiar de viver.

Era uma sobrevivente, passou por tudo com uma sabedoria que nem sei se percebia, uma força e uma vida, muita vida, pois tinha uma expressão serena no rosto que transmitia paz com a sua presença.

Carminha era meiga, suave, leve e forte. Talvez sua aparência física não transmitisse sua verdadeira personalidade, mas quem a conhecia sabia que isso era apenas um detalhe. Ela iluminava sua vida e a das pessoas que a rodeavam, essa força incrível e admirável era algo maior, algo que sentíamos nela, mesmo nos momentos mais difíceis, que não foram poucos.

Após dezessete anos de hemodiálise, conseguiu o primeiro e único transplante renal, porém, o mesmo durou apenas nove dias. O rim foi rejeitado pelo organismo e ela teria que retornar à vida antiga de hemodiálise.

Passei uns dias sem vê-la, não sabia o que dizer, estava triste e temia passar essa tristeza ao invés de força, mas quando finalmente criei coragem e fui vê-la, me surpreendi, pois lá estava ela mais forte do que nunca e serena como sempre, aceitando que não era o momento. Ela sorria e parecia confortar mais que ser confortada. E mais uma vez, agradeci a Deus por me permitir conhecer alguém assim. Carminha transbordava amor.

Mesmo fazendo hemodiálise três vezes por semana, conseguia ter força e vontade de ajudar os colegas renais. Ela juntava várias receitas e ia até a farmácia pegar medicações dos renais transplantados que moravam em outra cidade, inclusive os meus. E quantas vezes tentei convencê-la a parar, pois achava que a maltratava muito, mas ela me disse certa vez que amava fazer isso, que fazia bem, que precisava fazer, então não mais pedi que parasse.

Ela não parecia cansar, mas sei que devia estar cansada. Contudo, esse cansaço não a derrubava, ela curtia normalmente, passou por todas as fases de uma mulher. Carminha adorava o Mossoró Cidade Junina, não perdia nenhum ano, ironicamente neste ano que faleceu, não houve o evento, devido à pandemia.

Ela foi feliz em diversos momentos, era esse o seu diferencial, não foi a enfermidade que a levou para um lado obscuro da vida, via sempre o lado bom de tudo, tirava proveito dele, por isso curtiu muito, se apaixonou, viveu um grande amor, dançou muito forró e adorava paquerar.

Carminha soube passar nesse mundo. Eu admiro muito e sempre vou lembrá-la e mais ainda quero me espelhar na sua força e coragem de viver.

Sua música preferida era "Trem-Bala", da Ana Vilela:

“Não é sobre ter todas as pessoas do mundo pra si
É sobre saber que em algum lugar alguém zela por ti
É sobre cantar e poder escutar mais do que a própria voz
É sobre dançar na chuva de vida que cai sobre nós
É saber se sentir infinito
Num universo tão vasto e bonito, é saber sonhar
Então fazer valer a pena
Cada verso daquele poema sobre acreditar

Não é sobre chegar no topo do mundo e saber que venceu
É sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu
É sobre ser abrigo e também ter morada em outros corações
E assim ter amigos contigo em todas as situações
A gente não pode ter tudo
Qual seria a graça do mundo se fosse assim?
Por isso, eu prefiro sorrisos
E os presentes que a vida trouxe pra perto de mim

Não é sobre tudo que o seu dinheiro é capaz de comprar
E sim sobre cada momento, sorriso a se compartilhar
Também não é sobre correr contra o tempo pra ter sempre mais Porque quando menos se espera a vida já ficou pra trás

Segura teu filho no colo
Sorria e abraça os teus pais enquanto estão aqui
Que a vida é trem-bala, parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir"

Agora, compreendo sua verdadeira essência. E continuo a dizer: Carminha foi um ser humano incrível e agradeço a Deus por ter dito isso a ela tantas vezes. Chorei durante a escrita desse texto, choro ainda, mas é a falta que sinto no meu coração de sua presença nesse mundo, porém sei que está agora num bom lugar, porque ela nasceu pra isso.

Texto escrito por Leidiana Arcanjo da Silva com a colaboração de Elialba Rodrigues de Oliveira e Luiza Raquel de Souza Santos, ambas compartilham comigo cada palavra escrita. E várias outras amigas em comum que temos: Soraia, Suelita, Rosa, Arnaldo, Mazé, Deone, Astercleide, e diversas outras pessoas que compartilham dessa perda.

Maria nasceu em Mossoró (RN) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 41 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelas primas de Maria, Cleide Gonçalves e Iramar Gonçalves. Este tributo foi apurado por Eleonora Marques, editado por Rayane Urani, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 27 de dezembro de 2020.