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Maria do Carmo Cavalcante Aragão Magalhães

1937 - 2020

Nas brincadeiras com as netas ela era a boneca que as crianças penteavam e maquiavam caprichosamente.

A vida carrega os espantos da literatura. Talvez por isso o pseudônimo Carmita Aragão fosse também a maneira como Maria do Carmo gostava de ser chamada durante as festas e conversas.

Professora aposentada, ocupou vários cargos em Ipu, Ceará. Formada em Pedagogia e licenciada em Letras, fez pós-graduação em Formação de Docentes e Técnicas em Didática. Atuou como professora de português, Literatura Brasileira e técnicas em redação de várias séries e cursos. Diretora de algumas escolas da cidade, foi vice-diretora de uma escola durante quinze anos e orientadora de aprendizagem no ensino supletivo. Também diretora do Movimento de Promoção Social, dirigiu a LBA (Legião Brasileira de Assistência) e foi integrante do Lions Club, tendo contribuído na administração municipal no comando da Secretaria de Educação. Como chefe de cerimonial, foi membro da Academia Ipuense de Ciências, Letras e Artes. Era apaixonada pela causa da Educação, pela qual dedicou sua vida.

Mulher elegante, moderna, vaidosa e romântica, Maria do Carmo gostava tanto de música, de dança e de poetar que a nora guarda dela, com muito afeto, uma "história dançarina". Depois de uma reforma no seu salão de festas, Morgana resolveu homenageá-la com a confecção de uma placa em seu nome. Na hora de descerramento, os abraços de Carmita a apertavam tanto que até hoje não sabe explicar o tamanho da felicidade que ela sentia naquele momento. Quando entrou no salão daquele dia, colocou a mão no peito e rodou como uma bailarina. Mais tarde teceria todos os elogios à nora em um discurso de agradecimento, apesar de se tratar de uma homenagem absolutamente merecida à "rainha das nossas festas", como relembra Morgana.

Seus momentos preferidos eram aqueles em que festejava a vida com os amigos e a família. Os netos recebiam a alegria e o amor que lhe eram costumeiros a arrumavam como se ela fosse uma boneca, brincando de fazer penteados. Alucinada pela família constituída por um filho, três netos e quatro bisnetos, na sua casa nunca faltaram gargalhadas.

Carmita lutou pelos seus ideais e se orgulhava dos muitos amigos que a vida lhe presenteara, sem nunca realizar nenhuma distinção. Tinha um verdadeiro entusiasmo pela vida e muita garra para lutar, já que o trabalho era a alavanca de sua vida.

Perseverante, obstinada e decidida, argumentava a favor de seus pontos de vista. Defendia a justiça, a moral, a sinceridade e a lealdade entre as pessoas. Para ela, a maior virtude era a caridade, tendo abominado as discriminações sociais, a mentira, a falsidade e a bajulação.

Extremamente organizada, foi além de admiradora das artes, uma conhecedora das prendas domésticas. Adorava escrever poemas, alguns dos quais podem ser apreciados no site da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes, juntamente com crônicas sobre tempos passados. Entre os textos de Carmita escritos a próprio punho, estava um carinhoso agradecimento à nora, pela inesquecível festa de aniversário. Um acróstico construído com seu nome: Morgana. A nora guarda a relíquia em seu escritório com muito zelo:

"Minha eterna gratidão!
Orgulho-me de ti!
Respeito e responsabilidade,
Grandeza de alma e generosidade,
Amizade sincera e pura consciência,
Nada atrapalha nossa convivência,
Amar-nos-emos até a eternidade."

Morgana conta que a elegante professora entrou em sua vida de maneira especial, ensinando-lhe a ser tal qual hoje se reconhece. Nessa relação de pura amizade, Carmita não era sogra, mas uma mãezona que estava ao seu lado em todos os momentos mais importantes da vida: nunca a apresentava como nora, antes como a filha que Deus lhe deu. A convivência era tão harmoniosa que moraram juntas até o último dia de vida de Carmita. Faziam compras e organizavam festas juntas, deixando em Morgana o prazer de ter partilhado com a amada sogra os mesmos gostos e ideias.

O amor e a valorização eram declarados abertamente por Carmita e, atualmente, sua nora procura compensar de alguma forma o vazio e a falta que ela faz na vida dos seus netos e bisnetos. Sua espontaneidade em combinar abraços e beijos com uma franqueza e simplicidade sem igual, provocam lembranças queridas em toda família. A boneca para o design de penteados, a parceira de dança e de brincadeiras hoje é Morgana que substitui com orgulho o posto da sogra.

Carmita, nos dias de seu aniversário, ficava no portão de sua casa para convidar todas as pessoas que passavam para a comemoração. Não gostava de ver ninguém chorando, dizia que gostava de festejar a vida em vermelho. Queria ser enterrada de vestido, unhas e batom vermelho, e música no lugar de lágrimas. Deixou tudo por escrito, até mesmo a frase de lembrança da missa: "Vivi entusiasticamente a vida... Vivi a vida em muitas vidas, fui feliz!". As detalhadas orientações exigiam ainda muita comida e bebida para acompanhar, ao som da belíssima canção "Fascinação" em uma versão de saxofone.

Tudo foi feito como Carmita determinou; havia muitas flores, tecidos vermelhos e muitas coroas com homenagens de despedidas, ela era muito querida. E assim ela seguiu sua viagem e foi alegrar seu amado, os familiares e amigos que com certeza lhe esperavam com muita alegria. Ela foi realmente fascinada pela vida e pela família.

Maria nasceu em Ipu (CE) e faleceu em Ipu (CE), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela nora de Maria, Morgana Martins Paiva. Este tributo foi apurado por Giovana da Silva Menas Mühl, editado por Ana Macarini, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Rayane Urani em 24 de setembro de 2021.