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Maria José da Silva

1968 - 2021

Ela queria colar adesivos coloridos em documentos oficiais porque colorir a vida era sua especialidade.

Raquel compartilha com alegria os momentos que viveu com a amiga Maria José, Mariola ou "Maria 19vassa", um apelido que a faria rir muito se ainda aqui estivesse.

Ela diz que parecia ser seu destino conhecer Maria. Primeiro, porque trabalha no escritório de contabilidade da irmã dela, local que ficava sempre contagiado por seu brilho, humor e alegria quando por lá comparecia. Segundo, porque namorou o irmão dela durante cinco anos, ocasião em que iniciaram uma amizade profunda, que ela relembra contando:

“Nos víamos em todos os finais de semana, viajávamos juntos. Certa vez, meu então namorado disse: 'Prefere ir para a Bahia só nós dois, de avião ou prefere uma viagem mais barata, ao Espírito Santo, mas levando a Maria?'... Nem hesitei! Claro que seria melhor ir para Guarapari com a Maria. Óbvio! As melhores viagens eram sempre com ela”.

Raquel conta que apesar de ser quase 20 anos mais nova que Maria, isso não era empecilho para a amizade, porque a alma dela era mais jovem e moderna do que ela. Quando o namoro com o irmão acabou, as duas começaram a trabalhar juntas na contabilidade, num período de muita cumplicidade: “Que delícia, eu já estava nesse trabalho há três anos e ensinei tudo a ela, estávamos sempre juntas, sempre. Tinha depressão, e eu conseguia arrancá-la das crises todas as vezes! Ela era meu arrimo e meu ombro para chorar meus fracassos. Nunca julgava nada, só acolhia”.

Todas as noites se falavam por telefone e havia momentos em que riam muito lembrando das palhaçadas. Quando percebiam, as conversas já passavam de duas horas de duração, mesmo tendo estado juntas o dia todo. Fora isso, ainda permaneciam grudadas nos finais de semana.

"A Maria era do lar", continua Raquel. "Mas como se separou do marido, a irmã deu uma oportunidade de trabalho na contabilidade. Por inexperiência no trabalho, ela queria colocar adesivos em ofícios endereçados a órgãos públicos. Eu ria muito, explicando que aquilo não era profissional, mas ela queria colocar cor em tudo ao redor. Paquerava todos os homens que adentravam a contabilidade, e a gente ria muito. Arrumava namorado on-line e mentia a idade nas conquistas".

Maria deixou duas filhas lindas, Amanda e Fernanda, e amava o netinho Guilherme, de quem cuidava com amor. Ela amava estar com a família e os amigos, amava dançar, beber cerveja, andar de bicicleta, paquerar e ir à praia. Era uma pessoa alegre, palhaça, às vezes. Estava sempre sorrindo, mas sofria junto quando alguém sofria e compartilhava a dor com ela.

Raquel considera difícil descrever Maria em palavras, mas ainda assim se arrisca dizendo:
“Ela era engraçadíssima! Murchava a barriga para dizer que tinha emagrecido e eu sempre dizia: 'Emagreceu nada, vamos à balança', e ela respondia: 'Nem morta!'”

“Era doce e tinha compaixão pelas pessoas. Acompanhou minha tristeza ao ver meu sofrimento com o fim da relação com seu irmão. Acho até que minha tristeza nem era tanto por ele. Na verdade, era medo de não ter mais tanto vínculo com ela. Felizmente, o fim da relação não afetou em nada nossa amizade, pelo contrário. Ficamos mais fortes e unidas. Tínhamos planos de viajar sozinhas. Quando tinha crises de depressão, eu corria à casa dela para apoiá-la, sem hesitar. Saía de lá realizada, deixando-a com dor nas costelas de tanto rir”.

E Raquel continua relembrando: “Acolher a Maria era minha missão, era uma forma de retribuir tudo o que ela representava para mim. Quando me contou que estava com Covid-19, ela disse: 'Amiga, tô morrendo', e eu respondi: 'Deixe de ser dramática', já que para tudo que sentia ela dizia a mesma coisa. Então eu disse: 'Vai ao Posto'. Ela foi e de lá nunca mais voltou”.

“Ai que saudade! Me pego conversando com ela ainda... conto para ela as novidades, continuo rindo dos nossos momentos e ouço a sua risada. Sonhei com ela só uma vez: ela me apareceu em um carro amarelo, cabelo bem mais loiro que o de costume, uma pele bonita. No sonho, eu sabia que ela já havia falecido. Disse a ela: 'Mariola, sua doida, você voltou e está linda!' e ela respondeu: 'Estou com pressa, só vim te mostrar que estou bem chique e feliz, tenho carro agora' e desapareceu... Tento ainda sonhar com ela de novo, espero que não demore tanto! Peça a Deus por nós, minha querida!”

Maria nasceu em Acaiaca (MG) e faleceu em Itabira (MG), aos 52 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela amiga de Maria, Raquel das Dores Mapa . Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 16 de novembro de 2023.