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Maria Leite da Conceição

1936 - 2020

Uma paraibana batalhadora que traz em sua história a poesia árida do Sertão do Agreste.

Nascida na zona rural de Catingueira, numa família humilde e com poucos recursos, cresceu semianalfabeta. Naqueles tempos, por volta de 1940, naquele sertão, não era costume uma menina ter educação formal. Catingueira ainda era uma vila, pertencia ao município de Piancó, e não tinha escola. Ela trabalhou na roça, superou muitas dificuldades e teve que lutar para sobreviver.

Aos 22 anos se casou com João Caetano Leite, na época um pequeno agricultor. Tiveram 11 filhos e, destes, apenas sete sobreviveram na infância. Sem espaço para lamúrias, apesar das perdas, seguiu a vida com determinação. Trabalhava na agricultura familiar, tratava dos animais, cuidava da casa, cozinhava, lavava, costurava, fazia de tudo na lida do dia a dia. Amava imensamente os filhos, dividia de forma justa o parco alimento entre eles, fazendo quase o impossível para que nada lhes faltasse. E mesmo que faltassem algumas coisas materiais, os sentimentos, o carinho e a união eram fartos em seu coração. Os filhos lembram-se dela com muito amor, como uma mãe primorosa, cuidadora ímpar.

Nos idos de 1980, a família deixou a zona rural e foi viver na área urbana de Catingueira, que então já era um município. Ali, João Caetano montou uma “bodega” e Dona Maria também participava da organização e tarefas. Os filhos foram crescendo, ficando independentes e fazendo a nova vida.

Em 1996, ficou viúva, quando então se mudou para João Pessoa e passou a morar com alguns dos seus filhos. Gostava das modernidades da vida na capital. Continha em si a virtude de ser uma pessoa muito humilde e, ao mesmo tempo, uma mulher que tinha certa vaidade. Seu cantor preferido era Roberto Carlos. Suas festas prediletas eram as juninas e o Natal. Não recusava convite para nenhum passeio, sempre cheia de disposição para viver.

Noveleira, mergulhava nas histórias. Hora de novela era hora sagrada, único momento em que deixava qualquer um dos filhos em segundo plano. Divertida, “arengava” com os atores, o que na linguagem regional significa que discutia e brigava com os vilões, sentindo-se também uma personagem dentro das intrigas, intercedendo, argumentando e atuando com fé dentro do cenário.

O destino não lhe poupou desafios, mesmo assim valorizava o lado melhor da vida. Suas mãos abençoadas curavam a dor. Em 2007 perdeu a filha mais velha, Geralda, atingida pelo câncer. E em abril de 2020, o filho Manoel, de 50 anos, que morava em Fortaleza e foi contaminado pelo novo coronavírus logo no início da pandemia. Menos de dois meses depois, ela também se foi. Estarão juntos nos planos do alto?

Deixou para os filhos que ficaram ─ Caetano, Antônio, Socorro, Gilvan e Erasmo ─ o exemplo de honestidade, humildade, união e sinceridade. Os 12 netos e quatro bisnetos ouvirão só boas falas sobre dona Maria, a ancestral amada por todos que a conheceram. Apesar da frustração de não ter aprendido a ler, tinha um espírito refinado e viveu rodeada de amor, dignificando as palavras que expressavam o seu ser.

Para conhecer mais da história de Manoel, filho de Maria, visite o memorial de Manoel Caetano Leite.

Maria nasceu em Catingueira (PB) e faleceu em João Pessoa (PB), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Maria, José Caetano Leite. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Bettina Turner, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 14 de fevereiro de 2021.