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Maria Santiago Pedrosa

1926 - 2020

Apreciadora da Lua e dona de uma memória privilegiada, declamava poemas de cor.

A Lua alterna as fases, inspira poetas, motiva os astronautas. Alguns já tentaram conquistá-la. Há quem estude suas constituições físicas. Tantos se detêm nas muitas filosofias, cantam seus mistérios.

Maria era uma admiradora genuína desse astro iluminado que reflete o brilho do Sol. Tinha o costume de contemplar e contar histórias olhando para ela. Quando a Lua não aparecia, escondida pelas nuvens, ainda assim estava Maria lá, esperando por ela.

Tal prática passou às próximas gerações. Maria Pedrosa foi “aquela que me ensinou a adorar a Lua”, escreveu o neto Cícero.

Mas não apenas isso. Foi a que guardava inúmeros poemas na sua privilegiada memória, e que os interpretava, a pedido dos familiares, com imensa desenvoltura. Performances que ficaram registradas em vídeos. Em um deles, recita, com maestria, versos de “Meus Oito Anos”, de Casimiro de Abreu.

"Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
De despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!"

Maria também era afeiçoada a outra arte: a música. Fosse para cantar “Lua Nova”, do rei Roberto Carlos, para se embalar pela MPB de Nelson Gonçalves e se lembrar do falecido esposo ou ainda para orar e agradecer, com canções religiosas.

Era a expressão de saudade por Cícero, que na juventude custou a conquistar o coração de Maria. Ele era funcionário da estrada de ferro e ela, professora.

Juntos tiveram nove filhos. As mulheres, todas Maria’s, como a matriarca: Margareth, Marcia, Aparecida e de Nazareth. Os homens, Advaldo Franco, Adalberto Paulo, Adalto Roberto, Arnaldo Boanerges e Aroldo Richard.

Maria Pedrosa amava palavras cruzadas e leituras religiosas. Um dos últimos livros que leu, “O Mártir do Gólgota”, relata a vida de Jesus Cristo sob um viés histórico. A obra, de cerca de 400 páginas, foi lida em dois meses por Maria, já aos 94 anos.

Com fé inabalável, nunca deixou de agradecer a Deus e à Nossa Senhora das Graças. Também pregava sobre a importância do perdão. Com sua sabedoria popular, repassava os ensinamentos por meio de provérbios. Um deles, diz que “Por o burro dar o coice, não se lhe corta a pata”.

Devota, Maria era do apostolado do Imaculado Coração de Jesus. Sábados e domingos eram dias de missa. Na igreja, espalhou a oração "Maria Passa na Frente", em um tempo em que nem o padre conhecia a reza.

Além dos ensinamentos religiosos, das cantigas e poesias recitadas, fazia companhia para os netos e bisnetos. Lia “O Pequeno Príncipe” e era parceira das pinturas em livros de colorir.

Maria amava flores. Quando partiu, suas flores murcharam e só tornaram a florescer um mês depois.

Na família, Maria Pedrosa era a que possuía a melhor memória. Ainda assim, impossível que alguém se esqueça dela.

Maria nasceu em Peixe-Boi (PA) e faleceu em Ananindeua (PA), aos 94 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Maria, Suelen Cristina da Costa. Este tributo foi apurado por Patrícia Garzella, editado por Larissa Paludo, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 22 de dezembro de 2020.