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Maria Socorro Clemente Ferreira

1934 - 2021

A Miss Simpatia da Terceira Idade tinha também uma ligação direta com o Criador: suas orações eram poderosas.

Maria Socorro era mais conhecida como "Socorro, filha de Blandina". "Minha avó era um filme bonito, engraçado e com um enredo de muita luta pra criar os filhos", é como a personalidade de Maria Socorro é descrita pela Yasmim.

Mãe de nove filhos, sete biológicos e dois adotivos, Socorro nasceu, cresceu e viveu toda sua vida na região do Cariri, no Ceará. Sua descendência, ao contrário, se espalhou por várias partes do Brasil: "O destino fez com que cada filho tomasse um caminho diferente. Há filhos em São Paulo, Goiás, Brasília. Minha mãe era a que estava mais próxima, em Fortaleza. Vovó tinha apenas um neto vivendo em Crato, que conseguia dar assistência com mais frequência. Minha irmã, minha mãe e eu costumávamos ir visitá-la duas vezes por ano", explica Yasmim.

Durante a infância e juventude, Socorro teve uma vida confortável, graças à sua mãe Blandina. Dela também herdou o amor pelas joias em ouro. "Corre uma história de que existe um baú cheio delas enterrado na casa em que minha bisavó, minha avó e minha mãe moraram", explica Yasmim sorrindo.

Socorro foi filha única. "Aliás, era para ter tido uma irmã gêmea que não resistiu ao fim da gestação", conta a neta. Criada com rigor, a mocinha não pôde viver o grande amor de juventude dela, o rapaz foi reprovado pela mãe por pertencer a uma classe social diferente daquela que a mãe desejava para a filha. "Logo depois, apareceu meu futuro avô Antônio que, apesar de não ter “posses”, era um rapaz que frequentava a igreja da cidade. Então ganhou a aprovação da minha bisavó e engatou o namoro com minha avó".

Da união de Maria Socorro e Antônio nasceram Marcelo, Maurício, Marcondes, Maurilio, Marcílio, Aurecilha e Auxiliadora. E Marco e Antônia se juntaram aos demais desde a infância. Para ajudar no orçamento da casa, Socorro trabalhou muitos anos como merendeira de escola.

"Netos? Não sei ao certo quantos são, mas minha avô os teve e também bisnetos", ressalta Yasmim e completa: "nos falávamos todos os finais de semana por telefone. Minha avó era completamente saudável e cheia de vida; daquelas bravas, não dava moleza, mas sempre preparava a casa com carinho quando a gente ia chegar. Comprava refrigerante cajuína, pequi, queijo e esperava a gente na porta, paradinha na frente da casa, com as mãozinhas dela para trás".

Temente a Deus, "Socorro de Blandina" frequentou a paróquia de São Francisco até os últimos anos de sua vida. Era católica e também adepta ao espiritismo, pois, segunda a neta, "desde novinha tinha muita sensibilidade para a espiritualidade". A matriarca rezava todas as noites e anotava à mão, em seu caderninho, as orações preferidas.

Yasmim afirma que a avó era muito pragmática: "Ela dizia que a única certeza dessa vida era a morte e que, algum dia, encontraria a mãezinha dela novamente. Sua religiosidade era praticada com generosidade: deve ter feito oração nos velórios de metade da cidade, antes da pandemia; era seu jeito de prestigiar a vida de quem partiu e dar suporte aos que ficaram.

Engraçada e falante, a cratense foi um "museu vivo" das histórias da família e de sua terra-natal. Orgulhosa, de vez em quando levava "uma bronquinha" da mãe de Yasmin, pois nunca dava o braço a torcer na hora de entrar em contato. "Os filhos é que precisam me procurar primeiro", assinalava a matriarca.

Nos grupos para idosos, Socorro participava de oficinas de trabalhos manuais. "Guardo comigo uma rede toda de crochê que a vovó fez na juventude. E uma manta usada por mim na saída da maternidade, há 28 anos", revela Yasmim. Após a morte do marido, em 2015, ela se engajou nas atividades para a terceira idade a fim de "fugir da casa vazia". Durante um tempo, fez parte do programa do corpo de bombeiros local que oferecia aulas de dança e exercícios matinais aos idosos, nas praças de Crato.

Socorro também gostava de recitar poesias. Ainda se lembrava de algumas do tempo de escola. "Ela se apresentou diversas vezes nos encontros da terceira idade. Carismática, foi eleita "Miss Simpatia" e "Rainha da Melhor Idade" pelos amigos do grupo.

Dentre as dezenas de histórias divertidas que ouviu da avó, Yasmim recorda uma situação inusitada: "disse que uma vez, jovem e já nas andanças pelos velórios da cidade, estava fazendo algumas orações quando o defunto se levantou. No corre-corre, com medo, vovó subiu no muro da casa para sair. O problema é que ela não conseguiu mais descer. Tiveram de arrumar uma escada para ela sair lá de cima".

Além das boas recordações, a avó costumava presentear os filhos e netos nas ocasiões especiais. "Ela amava um cordão ou um anel de ouro. Marcava a importância das formaturas de graduação dos mais próximos com peças de joia", pontua Yasmim.

Outro mimo que Yasmim guarda com carinho é um relógio de parede. "Após a partida da vovó, minha mãe precisou organizar a casa dela e trouxe alguns itens de recordação. Dois são os mais importantes: o quadro religioso com o sagrado coração de Jesus, que foi da minha avó desde pequena e que ela havia pedido à filha que cuidasse; e o relógio de parede. Ele toca a cada hora e a cada hora penso muito na minha avó, na casinha dela, nas nossas viagens para lá".

"É impossível descrevê-la porque quem a conheceu consegue entender a grandeza de sua passagem pela Terra. Tinha um forte poder de interseção em cada oração que fazia. Acho que Deus precisava dela para ajudar a mandar muita luz e amor pra todos nós aqui. A partida de vovó foi rápida e ainda não nos acostumamos e jamais iremos, porém guardamos as boas e inúmeras memórias. Nossa mãe, avó, bisa será pra sempre amada e nunca esquecida!".

Maria nasceu em Crato (CE) e faleceu em Crato (CE), aos 86 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Maria, Yasmin Ferreira Silva. Este tributo foi apurado por Rafaella Moura Teixeira, editado por Luciana Assunção, revisado por Claiane Lamperth e moderado por Rayane Urani em 13 de dezembro de 2021.