1935 - 2020
Mulher consagrada às alegrias e reveses de esposa e mãe. No jardim da família, uma rosa eterna de nome saudade.
As homenagens abaixo foram feitas pela sobrinha e pela filha de Marlene, respectivamente:
"...entre as aleluias e as agonias de ser..." (Clarice Lispector)
Mulher. Oitenta e cinco anos de travessia.
Fez do nome Generoso um predicado de si mesma. Lidou com restrições, durezas e desafios generosos. A esse pano de fundo, respondia com o ponto firme de sua máquina de costura, em peças e figurinos impecáveis. A costura bem-feita lhe representa.
Sua roupa muito assentada em seu corpo esguio e a fina feição conferiam-lhe harmonia, elegância natural. Era permanente seu incômodo com o cabelo fino e liso.
Suas poucas palavras. Seu muito silêncio.
Esposou um homem que ajudou a construir Brasília. Não cavou, foi cavada. Pertence ao grupo de mulheres-ferramenta, mulheres-alimento, mulheres-abrigo. Brasília foi erguida sob bonito céu, no planalto de seus corpos.
Mulher. Partejou os filhos que adotou. Viveu satisfações e dores de mãe. Colheu neto. Enterrou filho. A alegria do amor lhe tangenciava, o pesar do amor lhe abrangia. O amor em pedaços, doce que apurou.
Sua limpeza. Quem quis, aprendeu com ela a organização da casa, seu recinto.
Na madureza, o Parkinson desgovernou-lhe os movimentos, o sentido. Reduziu seu corpo ao de um pássaro triste.
Seu jogo de baralho era seu carnaval. Sua parceira de baralho, de rosário, sua irmã de vida o foi também na morte. Seu companheiro por sessenta e cinco anos a acompanhou na morte. Abraçados, atravessaram o portal do eterno.
Compreendeu a proximidade da morte, deu-lhe passagem. Quis a vida que Marlene fosse uma flor no buquê da morte. Três espécies raras. Entre inumeráveis. Sem chamar a atenção para si.
Contentou-se com uma cova aberta, ritos sumários, a seu modo.
Juntou-se ao corpo do filho e do esposo, num entrelaço final.
Segue agora seu voo de pássaro livre, migratório, rumo ao infinito.
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Minha mãe era uma mulher simples, mas de muita fibra. Sempre atenta e zelosa de sua família. Tão cuidadosa com seu esposo que faleceu dois dias antes para lhe preparar o caminho... "Pra ele não ter medo..."
A história do marido e parceiro de vida de Marlene também está guardada neste memorial e você pode conhecê-la ao procurar por João Teixeira Madureira.
Marlene nasceu em Conceição do Mato Dentro (MG) e faleceu em Brasília (DF), aos 85 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela sobrinha e pela filha de Marlene, Dalva Maria Madureira Ottoni e Nauali Muhsen Madureira. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 3 de fevereiro de 2021.