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Michelle do Carmo Duarte

1982 - 2020

Suas boas lembranças ficaram como flores e borboletas de um jardim que resiste no coração daqueles a quem amou.

Michelle era, e ainda é, como um jardim do coração do pai, Maurício e da mãe, a guerreira Dona Beth, já falecida; das suas irmãs Elizângela, Aline e Alice; das suas sobrinhas e sobrinhos, e dos seus inúmeros amigos e amigas, como Fernandinha, e também Amanda, que a homenageia com o presente tributo.

Mulher de fibra e ao mesmo tempo doce, simples e generosa, acolhia a todos à sua volta, como uma amiga, mãe ou irmã. Era participante da Pastoral da Juventude e dos movimentos populares da cidade de Ouro Preto.

Gostava de cozinhar e o fazia com maestria, um dom herdado de sua mãe, com quem muito se parecia. Do pai, herdou a doçura; um homem extraordinário, que possui a leveza especial dos heróis que sonham de olhos abertos.

Michelle era como um ponto de encontro: todas e todos a amavam e ela estava sempre aberta — assim como as portas de sua casa e o grande coração de sua família — para acolher as pessoas no momento da dor ou da alegria.

Era uma mulher que, além dos grandes panelões de comida e da empreitada de abrir um bar e restaurante pouco antes de sua passagem, oferecia outros bens a quem chegava: samba, felicidade, riso, piadas, orações, amor... muito amor.

Michelle era também a personificação da amizade e da sabedoria popular. Como uma passarinha, dispensava palavras e pousava no coração, na alma, na terra, na vida daqueles que dela precisassem, como se em seu canto anunciasse: "Há de melhorar. Há de se ter esperança, o amor é mais forte que o ódio".

Possuía uma consciência política admirável. Apoiava seus amigos e amigas de luta, fazia campanha, levantava bandeiras, lutava por uma cidade melhor, pela qualidade de vida dos seus e também daqueles que não conhecia pessoalmente, mas que nela habitavam como se fossem seus irmãos e irmãs de luta. Foi assim no caso de uma amiga chamada Bruna Monalisa, uma líder popular da Arquidiocese de Mariana, a quem Michelle muito apoiou porque sabia da sua capacidade de fazer valer os sonhos e a luta da juventude.

E falando na Arquidiocese de Mariana, os leigos e leigas, padres, políticos e demais lideranças, viveram a perda de Michelle com a intensidade de quem perde uma heroína, que com seu jeito discreto de ser, dava voz, à sua maneira, aos que gritavam por políticas públicas e justiça social. Exercia sua missão em sociedade com acolhimento, amor, carinho, um recadinho aqui e outro ali, mas sempre se posicionando, como a mulher corajosa que foi, seguindo o exemplo de todos de sua família. Ela era uma mulher do povo e, como tal, lutava por um país mais digno e justo.

Amanda conta em detalhes a história de sua amizade com Michelle:

Eu a conheci há muitos anos. A data exata infelizmente não me recordo, e costumava visitá-la durante o Carnaval ouro-pretano e para participar de reuniões da Pastoral da Juventude. Eram ocasiões em que todos nós dormíamos em sua casa, comíamos da sua comida e fazíamos daquele encontro uma festa!

Sua presença em minha vida foi uma festa sem data marcada. Ela me acompanhou em quase todas as minhas ilusões e desilusões amorosas, sempre com um colo a oferecer, um cafezinho, uma cervejinha, um churrasquinho, como da última vez em que meus olhos tiveram o privilégio de vê-la — no Réveillon de 2017.

Por força das circunstâncias e questões da vida adulta não pude revê-la nos últimos anos, mas nunca perdemos contato. Michelle sempre me escrevia uma mensagem para lembrar-me do quanto me amava; um amor recíproco que textualmente eu também lhe oferecia nas limitadas mensagens por aplicativos que, embora pequenas, reforçavam o elo que estava acima de todas as coisas. Era o elo do amor que nem sempre é explicável... é sentido. É como se nos conhecêssemos de todas as vidas já vividas, ainda que a ciência só comprove a existência de uma: essa aqui!

Certa vez, quando eu morava na cidade de Viçosa, minha ânsia por visitá-la foi tão grande que atravessei de ônibus toda a Zona da Mata até a cidade de Ouro Preto com uma bata vestida ao contrário! A pressa em revê-la era tão grande que não percebi que fiz uma viagem de ônibus com a roupa ao avesso. Ao chegar em sua casa, a primeira coisa que (ela) me disse foi 'Tudo isso era vontade de me ver?' E assim rimos juntas, como sempre fazíamos quando a vida nos dava a oportunidade do encontro.

Um dia antes de seu passamento, eu distante, em outra cidade, recebi a visita de uma borboleta. Ora, nada mais normal que uma borboleta numa casa repleta de flores e plantas. O curioso é que, no dia seguinte, mudei de casa e a mesma borboleta — ou outra de mesmo aspecto — tornou a aparecer, mas agora adormecida... e foi quando soube, pela mensagem de sua irmã Alice, que Michelle havia partido.

Há cinco anos não vou a Ouro Preto, essa terra que amo tanto. Eu daria a minha vida para te rever... será que não te revejo todos os dias e não me dou conta? Sonho com isso, no jardim que fiz para você, meu amor. Quero visitar seu pai e lhe dar um 'forte abraço'.

Michelle é o nosso jardim e, para mim, as borboletas — a festiva e a adormecida — foram a forma que seu espírito livre, generoso e amoroso encontrou para me dizer: 'Não se culpe Amanda, eu sempre estive com você'.

Eu te amo tanto e penso em você todos os dias da minha vida. Sinto um pouco de culpa por não ter te visitado mais vezes, mas desde a sua partida fiz da minha vida um pequeno jardim em sua memória. Memória viva. Tentei me aproximar dos nossos amigos e amigas das 'antigas', porque enxergo você no rosto de cada um deles; entoo o canto juvenil da época da PJ: 'Um novo sol se levanta... sobre uma nova civilização que hoje nasce...', porque esse canto é para você. Assim como todas as flores do meu jardim, que é você.

Amanda cita os versos da conhecida canção "Michelle",

Michelle, 'ma belle'
These are words that come together well
My Michelle
I love you, I love you, I love you
That's all I want to say
Until I find a way
I'll say the only words I know that you'll understand".

e conclui esta homenagem, dizendo: "Eu te amo, minha irmã. Você me ensinou o que é acolhida num mundo em que as pessoas só veem os próprios umbigos. Comida boa, samba, cervejinha, fofoquinha, luta popular, Pastoral da Juventude, amor de pai, amor e saudade de mãe, mulher negra e forte e guerreira, amiga de todas e todos, vaidosa, bonita, cheirosa, acolhedora.

Michelle nasceu em Ouro Preto (MG) e faleceu em Ouro Preto (MG), aos 38 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela amiga de Michelle, Amanda Lopes de Freitas. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Ana Macarini em 30 de agosto de 2022.