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Miguel Arcanjo Lima dos Reis

1932 - 2020

Quando as encomendas da marcenaria exigiam que ele e seus funcionários varassem a noite trabalhando, ele comprava merenda para todos.

Esse marceneiro tinha o apelido de Careca ou Imortal. Era famoso por contar piadas e histórias da sua juventude; também tinha o curioso hábito de chamar todas as mulheres de "princesa".

Era apaixonado pela vida, pelos filhos, pela esposa, netos e bisnetos. Um homem que sabia valorizar sua família e seus amigos, uma pessoa querida que fazia a alegria de todos ao seu redor. Foi casado com Maria Ruth por sessenta e três anos, e com ela formou uma numerosa família de 17 filhos: João, Paulina (falecida), Catarina, Izolda, Miguel, Pedro, Maria José, Vicente, Cristina, Paulo, Tadeu, Luis, Ana Rita, Tarcio, Vitor, Augusto e Andreia.

Cultivava e declarava seu apresso pela vida, felicidade, e um verdadeiro mestre na arte de tratar as pessoas e um artista na confecção de móveis.

"O Seu Miguel, meu pai, foi um exemplo de felicidade e fidalguia. Um homem simples e ao mesmo tempo elegante. Sempre tinha um elogio para as mulheres. Um patrão que mandava os funcionários pararem de trabalhar para escutarem uma piada nova. Tinha sempre o tempo da piada, ainda que ela fosse repetida nos fazia rir pela forma irretocável como contava.", lembra o filho Tarcio.

"Era meu amigo e meu conselheiro. Uma espécie de irmão mais velho irresponsavelmente feliz. Em geral, era o último a chegar nas festas, mas não porque não gostasse de festas, se atrasava porque sua vida era uma grande festa. No caminho vinha conversando com todos, ouvindo e contando piadas. Era capaz de falar mal de uma pessoa de forma inconteste e no outro dia fazer o bem pra ela esquecendo tudo que havia dito. Tinha rancores inofensivos e uma capacidade de acreditar no futuro contagiante."

Quando inventava de fazer serão na pequena oficina de móveis que tinha, para adiantar uma encomenda que já estava atrasada, comprava merenda para todos e era o primeiro a se deitar para tirar um cochilo. Era capaz de atrasar o pagamento de seus funcionários, mas nunca os deixava na mão. Quando não pagava era porque não tinha dinheiro e ninguém tinha dúvidas sobre isso.

Tarcio conta que sempre procurou deixar seu pai feliz, em muitas vezes fazendo coisas grandes pra ele, mas na maioria das vezes era o ouvindo contar histórias e lhe dando uma ajuda pequena para lhe proporcionar prazeres simples como tomar açaí, por exemplo, ou comprar um remédio para o filho de um empregado que estava doente.

"Ele costumava dizer com um orgulho convicto: "eu não sou pobre, apenas não tenho dinheiro". Ele tinha uma narrativa que resumia os seus maiores orgulhos, vou tentar relembrar: o Pará tem mais de cinco milhões de habitantes dezesseis são meus filhos; tem uns mil funcionários da Justiça do Trabalho, um é meu filho; quase três mil servidores da Polícia Civil, três são meus filhos; menos de cem servidoras da Marinha, duas são minhas filhas; uns cento e cinquenta servidores do Evandro Chagas, um é meu filho; alguns advogados honestos um é meu filho; uns três mil trabalhadores da Saúde, dois são meus filhos; tem dezesseis mil policiais militares, poucos oficiais, menos ainda Coronéis, dois são meus filhos; tem menos de trezentos Juízes de Direito, um é meu filho.", relembra Tarcio.

"Esse foi o Seu Miguel, um homem que sempre levou a vida com leveza e humor. Descanse em paz grande amigo e exemplo raro de felicidade. Pela sua alegria, paixão pela vida, seu amor por todos os amigos e familiares, pela força e vontade de viver.", encerra a homenagem com todo amor de seu coração, o filho Tarcio.

Miguel nasceu em Bragança (PA) e faleceu em Belém do Pará (PA), aos 87 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pelo filho e fã de Miguel, Tarcio Sebastião Garcia Reis. Este tributo foi apurado por Larissa Reis, editado por Ana Macarini, revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 8 de abril de 2022.