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Miguel de Melo Aguiar

1921 - 2020

Falar de sua infância e suas brincadeiras de menino rendia horas de conversa e boas risadas.

Trabalhar no comércio permitiu que Miguel exercesse grande parte de seus talentos: bom vendedor, comunicativo e inteligente – fazia contas e mais contas como ninguém, mesmo com pouca escolaridade era muito bom em matemática.

O comércio se tornou um dos pilares de sua vida. Aos 11 anos precisou largar os estudos para trabalhar ajudando os pais. Naquela época, ele e o pai vendiam sal, mas depois, já por conta própria, foi diversificando os produtos e chegou a vender um pouco de tudo: garrafas de vidro, castanhas, sementes, arroz, feijão... Trabalhou com esses produtos durante muitos anos, mas foi com a venda de roupas que criou os três filhos e ajudou muita gente.

Nunca foi casado porque não tinha muito jeito para a família, tanto que sempre foi o mais recluso dos irmãos. Mesmo assim, dos filhos vieram seis netos. Morou com uma filha e com a neta Pâmella, que cuidava dele como se fosse seu pai.

Pessoa bastante religiosa que se preocupava com o bem-estar dos outros, fazia questão de ajudar e incentivar para que estudassem e se interessassem pela vida, vida esta que ele tanto amava.

Amava também as viagens com destino a Pernambuco, onde comprava enormes sacos de roupas. Foi nessas viagens que fez muitos amigos, para rir e conversar.

"Lembro de esperar na calçada por sua volta e ficar feliz quando via o ônibus parar e ele descer. Eu o abraçava forte e ele retribuía, eu o chamando de vovô e ele me chamando de filha e me perguntando se eu estava bem", diz Pâmella. "Ele fez muitas coisas por mim, assumiu um posto de pai, que eu nunca tive. Fui sua neta, mas o considerava um pai. E eu queria muito que ele soubesse disto, de minha gratidão."

Amava o trabalho, amava a música e a dança. Mesmo com toda sua idade, não gostava de ficar parado. Miguel nunca aceitou a velhice de fato, não gostou de envelhecer e ter que ficar dentro de casa. Sempre ficava observando os carros, as pessoas e os ônibus encostado no portão. Era alto, usava um chapéu de palha sobre os cabelos brancos e parecia querer ver a vida acontecendo. Desejava saber de tudo, das notícias, da escola da neta, e gostava de contar coisas de sua infância e suas brincadeiras de menino.

Também contava dos seus amores e cantava as músicas de quando era jovem. Cantava um pouco de Pixinguinha, Cartola, Adoniran Barbosa, Carmen Miranda e Carlos Galhardo, e recitava vez ou outra os poemas de Augusto dos Anjos. Mas era das suas próprias histórias que ele mais falava. Chegava a conversar por horas com a neta, e suas lembranças eram engraçadas e faziam rir.

Quando a pandemia chegou, a neta lhe fez uma visita (que viria a ser a última) e cinco meses depois, Miguel foi internado no hospital. Brincalhão que era, mesmo doente, também aprontava por lá. Seu desejo era de voltar para casa, o que infelizmente não aconteceu.

Fica a saudade do pai, do avô e do amigo admirável.

Uma pessoa incrível que será lembrada eternamente por todos que conviveram com ele.

Miguel nasceu em Crateús (CE) e faleceu em Crateús (CE), aos 98 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Miguel, Maria Pâmella Vieira do Nascimento. Este texto foi apurado e escrito por Alessandra Capella Dias, revisado por Paola Mariz e moderado por Rayane Urani em 4 de dezembro de 2020.