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Nair Sanches Artero Corrêa

1947 - 2021

Dirigindo sua Belina e com o violão a tiracolo, aproveitava todas as oportunidades para (en)cantar.

Era difícil encontrar quem não conhecesse Nair na cidade. No seu carro - já famoso -, cruzava as ruas para visitar amigos e familiares, levando sempre palavras de conforto e sabedoria a quem mais precisasse. Com seu jeito único, era presença muito requisitada em serenatas e aniversários: sua voz ecoava nos corações de todos que a escutassem.

Descendente de imigrantes espanhóis, cresceu em uma família numerosa que se reunia, sempre que possível, para celebrar a vida. Em meio a falas expansivas, gargalhadas altas e conversas na língua espanhola, o som que desde pequena mais encantava os ouvidos de Nair eram as canções entoadas por seu pai, ao som do violão. Ali, Nair compreendeu que a música seria sua companheira durante toda a vida.

Na mocidade, conheceu José, mais conhecido como Zelão, quando ele ficou hospedado no hotel de seus pais. Logo se apaixonaram e não se desgrudaram mais, viveram um casamento que durou sessenta e um anos, até a partida dela. Volta e meia saía uma resposta meio atravessada entre os dois, mas rapidamente faziam as pazes. Formavam uma parceria sem igual: não existia um sem o outro. Os dois se mantiveram sempre unidos para trabalhar e conquistar tudo o que almejavam.

Para completar a união, vieram os filhos, Sandro e Simone, seus grandes amores. Cuidava dos filhos e do esposo com todo o carinho e zelo do mundo. "Minha mãe nos criou com simplicidade e amor. Quando íamos brincar na chácara do meu tio, voltávamos para casa com terra da cabeça aos pés. Ela nunca se importou ou impediu; pelo contrário, deixou que meu irmão e eu curtíssemos a infância em sua plenitude", lembra Simone.

A filha também se recorda com carinho de um momento de sua pré-adolescência. "Quando estávamos no Ensino Fundamental, meus colegas resolveram escrever alguns dizeres no uniforme um do outro. Quando cheguei em casa e mostrei a minha mãe minha camiseta toda assinada, ela pegou uma caneta e escreveu 'Eu te amo'. No instante seguinte, nos abraçamos bem forte, como se houvesse um encontro de corações. Esse fato me marcou muito porque, às vezes, temos tanta dificuldade em dizer às pessoas o quanto as amamos..."

Transbordou de amor com a chegada de Lucas e Leandro, filhos de Sandro. Devotada aos netos, não existia nada que eles lhe pedissem que não fosse realizado com um grande sorriso estampado no rosto. Com seu jeito cuidadoso e protetor, para muitos sobrinhos, também foi um pouco mãe.

De alma batalhadora, trabalhava arduamente e aproveitava todas as oportunidades que lhe eram oferecidas: foi vendedora de roupas, costureira, auxiliar do esposo na marcenaria, artesã: bordava e enfeitava peças antigas. Tudo para garantir que não faltasse o pão de cada dia em sua casa. Como não gostava de ficar parada, nos últimos tempos dedicava-se à tapeçaria, criando sofás, cadeiras e poltronas.

A música era um capítulo à parte em sua vida. Cantar e tocar violão eram o que a preenchia, o que junto à família trazia sentido ao seu existir. Autodidata, aprendeu o instrumento sozinha, prestando atenção enquanto os outros tocavam. Para completar a aprendizagem, pegava escondido o violão de seu irmão. Realizou o sonho de ter seu próprio instrumento quando o esposo comprou um violão de segunda mão e o reformou. Onde ela ia, o violão a acompanhava.

Era só aparecer uma oportunidade que ela soltava a voz e, como num passe de mágica, espalhava alegria através da música. Dentro de casa, gostava de cantar no karaokê com a filha Simone. Nas festas familiares, fazia dupla com o irmão Francisco, e a dupla era conhecida como Tico e Tiquinha. Os dois logo se punham a cantar suas músicas sertanejas preferidas, sob as filmagens atentas da filha Simone. Volta e meia, Nair fazia participações em programas de rádio locais, além de ser figura cativa em serenatas e aniversários de pessoas queridas. Ao pegar a balsa para a cidade de Sales, todos já aguardavam ansiosos para que ela pegasse seu violão e se dispusesse a cantar, fazendo com que a viagem fosse muito mais prazerosa para todos.

Tinha o desejo de se tornar cantora profissional e ser reconhecida pelo seu talento. Insistia para que a filha Simone fizesse sua inscrição para o programa The Voice Mais e, também, para participar do quadro Lata Velha, para que conseguisse reformar sua tão querida Belina.

Com suas mãos de fada, cozinhava maravilhosamente bem, sendo a responsável pela maior parte dos preparos em festas familiares. Dedicava-se com afinco na cozinha, pois tinha prazer em receber elogios por seus dotes culinários. Para os seus amados, ninguém fazia uma lasanha, nem um creme chinês — apelidado carinhosamente de 'doce do Sandro' —, como ela.

Desligava-se do mundo por completo no horário das novelas, parecendo hipnotizada com o enredo. Sem dúvidas, era o momento em que extravasava suas emoções: chorava com o sofrimento dos personagens, gargalhava com as cenas divertidas e torcia por finais felizes. Se durante a novela não conseguisse estar na sala, por algum imprevisto, logo pedia para que algum familiar aumentasse o volume da televisão. Deixava inclusive de ir a eventos, tudo para assistir aos “últimos capítulos” de seu folhetim preferido.

Devotada à fé católica, procurava ao máximo seguir os preceitos bíblicos. Seus olhos se enchiam de emoção ao contar que, quando criança, por intercessão e consagração à Virgem Maria, voltou a viver, depois de ter sido desenganada. Volta e meia repetia a frase: "Onde existe respeito, existe amor. Onde existe amor, existe Deus".

Com seu espírito dinâmico, participava bastante das atividades comunitárias da igreja: era voluntária em ações filantrópicas e não media esforços para o bem-estar do próximo. Foi membro do coral, onde cantava e tocava, e por muitos anos participou como Verônica na tradicional procissão da Paixão de Cristo. Empática, o sofrimento alheio lhe causava dor, tanto que, se assistisse a filmes bíblicos, especialmente sobre Jesus, debulhava-se em lágrimas.

Foi uma das idealizadoras da Associação da Terceira Idade Arco-Íris. Com a criação do grupo, reunia-se frequentemente com outros idosos de Sabino para cafés da tarde, serenatas, bailes aos domingos e excursões para outras cidades. Quando o grupo viajava, Nair sempre levava seu violão, animando o ônibus com música sertaneja.

Sua presença marcante, que nunca a deixou passar despercebida por lugar algum, transformou-se em um emaranhado de recordações e saudades. Nair era intensa: sentia o mundo inteiro, ressignificando suas mais nobres emoções em lágrimas, risos e canções.

Agia com a rapidez e a perspicácia de quem não tinha tempo a perder. Viveu. Sua voz marcante se perpetua na memória de quem convivia com a sua alegria. Eternizou. Sonhava em ser estrela, com a dimensão da sua luz, tornou-se uma constelação inteira.

Nair nasceu em Sabino (SP) e faleceu em Sabino (SP), aos 74 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Nair, Simone Sanches Corrêa. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Andressa Vieira, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Ana Macarini em 14 de fevereiro de 2022.