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Norma Miran Gonçalves Bezerra

1948 - 2021

Luxo para ela ver era ter família unida, um par de brincos nas orelhas e um bonito batom nos lábios.

Rosângela, fala de seu amor por sua Norma, exaltando suas qualidades como esposa, mãe, irmã, avó, vizinha cozinheira e até motorista, por meio da linda carta que aqui apresentamos:

“Bença, Mãe!

Essas palavras ficam ecoando nos meus ouvidos desde o dia 29 de março de 2021 e nem lembro quantas vezes ao dia eu as pronunciava. Sei que eram muitas. Algumas vezes vinha só o 'Bença?' e era resumido, eu sei, mas as o 'Deus te abençoe' que eu recebia dava a sensação de que nada de mal podia acontecer comigo.

Quando a gente chegava, era só 'Deus te abençoe', mas quando a gente saía, ah... aí sim, tinha um 'Deus te abençoe', acompanhado de 'Nossa Senhora te guarde e te proteja!'.

Mãe, como foi difícil o primeiro dia de trabalho depois da sua partida! Não ver a senhora ali na porta me abençoando e esperando a porta do elevador fechar foi difícil. Quem era muito próximo sabia que esse ritual não era só com a família. Era sempre que via um vizinho sair, um avião decolar ou uma ambulância passar.

A Norma que Deus me deu a honra de ter como mãe era simples, caridosa, tímida, apaixonada. Né, 'bichinho’? Como vou viver sem ter que segurar a porta do elevador, porque minha mãe esqueceu de dar o beijo do 'bichinho' no meu pai. Sim, 'Bixim' — era assim que minha mãe chamava meu pai. 'Bixim, eu vou ali e volto já'. Depois dava um beijo e um 'xêro', e claro que meu pai colocava a mão no rosto e fingia chorar, falando que ia ficar sozinho. Foram cinquenta e dois anos de beijinhos e cheiros todos os dias. Essa aí era a Norma esposa amorosa, cuidadora e apaixonada.

E a Norma mãe? Essa não tinha pra ninguém. Nunca mediu esforços para que os filhos tivessem conforto, educação e amor. Sempre firme e preocupada com cada um em particular. Nas orações diárias, o primeiro pedido era para que os filhos sempre fossem unidos.

Mãe, deixa eu te contar uma coisa: irmão xinga, briga, fica de mal, mas mexe com um pra ver o que acontece... A gente compra a briga rapidinho. Fica tranquila.

Ah, já ia esquecendo, junto da mãe veio a malabarista na direção. Ela conseguia dirigir e dar umas chineladas ao mesmo tempo, como ninguém. Amigos, ela não era má, calma! É que eram quatro filhos e mais alguns caroneiros, todos brigando pela janela ou por mais espaço no carro. Tinha uma mira perfeita. Ela fazia uma chinela voar como poucos. E nunca errava o alvo. Tô errada meu irmão?

A Norma sempre foi uma irmã preocupada. Não sabia expressar muito o amor pelos irmãos, mas tenham certeza meus tios, ela amava a todos!

Como sogra, sempre foi mãe. Dizia que o preferido era o da vez, o que estava com ela naquele momento. Cada um tinha um cantinho especial com ela. A Flavi conseguiu até trazer até o 'sol' pra vida dela.

Já falei muito né? Mas não tem como falar da Norma avó. Vocês não têm noção de como era a vó Norma. Sempre fazendo as vontades de cada neto. A casa dela era casa de vó. Lá podia fazer quase tudo. Lá, a gente não podia colocar ninguém de castigo, dar palmadas ou negar qualquer coisa. Na casa dela, não!

E quando a Letícia descobriu que a vovó 'Pexota' era mãe da mãe dela e, assim a mãe dela devia obediência à vovó Pexota, acabou o sossego da Aline. Com a Júlia eram vários segredos, que não eram tão segredos assim né, Flavi? Tem o arroz com linguiça do Caio, o peito de frango do Matheus e a farofa do Renan. 'Vó, cadê a liga da comida?' Ela adorava quando ele fazia isso. E eu muito brava claro.

Boa vizinha. Sempre disposta a ajudar.

Norma era tão simples, que luxo pra ela era uma família unida, a praia da Caponga, brinco na orelha e batom nos lábios. Ela era feliz com tão pouco! E com Nossa Senhora de Fátima ela tinha uma relação muito especial. Nunca foi desamparada por ela.

Mãe desculpa a gente aqui se ficou faltando alguma coisa. Mas acho que nós tentamos fazer o nosso melhor.

Mãe pode dormir. Descansa. Aqui a gente ainda está tentando conviver com a sua ausência. Como eu já falei outro dia, o fogão tá limpo, meu pai já tomou café, e a gente tá reunido na mesa da cozinha falando como foi o dia de cada um. Olha por nós aqui. A gente te ama muito!”

Norma nasceu em Fortaleza (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 72 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Norma, Rosângela Bezerra de Oliveira. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 23 de dezembro de 2022.