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Odilon Eufrasio da Silva

1932 - 2020

Assim como a cidade em que nasceu, a “cidade dos três climas”, ao longo da vida, teve diferentes humores.

Seu Odilon, era “cabra da peste”. Homem bom, cuidou da família com dignidade e afeto. Trabalhador e respeitável, deixou como legado, acima de tudo, o seu exemplo.

Foi menino da roça, daqueles que inspiraram a literatura... andou a cavalo, pescou, mexeu com gado. Livre, brincava. Era “bichim” bom de “bila", ou uma criança que jogava bola de gude com talento.

Adulto, quando decidiu deixar a roça e levar a família para a cidade grande, já era homem sério e reservado, um tantinho carrancudo. Não gostava de estranhos nem de visitas, mas em casa, com “os seus”, como se referia à família, o Vigilante Odilon, era muito afetuoso.

A vida inteira quis apenas isso, a paz de seu lar, com a família reunida e uma boa comida caseira, um feijãozinho com farinha... uma manteiga de garrafa. Se possível, uma macaxeira frita, daquelas que desmancham na boca.

Seu jeito fechado nunca enganou a neta Raquel, que sempre viveu muito próxima a ele. Ela conta uma história muito bonita. No dia do seu casamento, ela foi conversar com o avô, já vestida de noiva. Ela meio que já sabia que ele não pretendia ir ao casamento, então recebeu sua bênção em casa mesmo. Suas palavras foram doces, otimistas, ele estava visivelmente emocionado. E a família foi para a igreja, deixando-o em casa. Mas que grata surpresa ela teve ao sair da igreja, sob a chuva de arroz, ao vê-lo, ao longe, acompanhando a cerimônia. Depois foi embora, sob lágrimas e soluços de ambos!

Nos seus últimos anos, desde que um AVC fragilizou sua autonomia, mas lhe concedeu um humor muito mais leve e divertido, ele pareceu reencontrar o menino da roça. Ele, que sempre cuidou de toda a família, finalmente se deixou cuidar...

A doença se aproveitou das dificuldades para achar o remédio, uma vaga no hospital, um respirador... para levá-lo. A neta escreveu uma mensagem de despedida tão agradecida que ele, onde quer que esteja, certamente estará emocionado como no dia do casamento:

“Sou Raquel Oliveira, uma neta agradecida por tudo que você fez por nós, te amaremos para sempre, meu ‘véinho’...”

“Arri égua”! Ele era mesmo um “cabra arretado”!

Odilon nasceu em Itapipoca (CE) e faleceu em Caucaia (CE), aos 88 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Odilon, Raquel Oliveira. Este tributo foi apurado por Hélida Matta, editado por Hélida Matta, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 23 de julho de 2020.