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Ormezinda Geralda Joana

1944 - 2020

Havia sempre um lenço adornando a cabeça dela que, não largava a tradição familiar de dormir, após o almoço, com o prato na mão.

Dona Mezina era muito discreta, qualquer evento que chamasse um pouco mais de atenção era motivo para ela ficar com uma certa vergonha. Wadson, seu neto, conta que na comemoração de Bodas de Ouro dela com seu Francisco conseguiram reunir quase toda a família. Embora ela não quisesse chamar atenção, foi uma reunião muito especial.

Ela foi a pessoa que uniu a família, criou todos muito bem, amou e foi amada. Mãe de dez, avó de sete e bisavó de dois, juntamente com cada novo membro da família, o amor só crescia. Sempre que possível os trazia para perto e os enchia de amor. “Todo domingo ou quando havia algum aniversário, a gente almoçava na casa dela. Era uma espécie de tradição. A gente ia pra casa da vovó, era como uma obrigação, mas não uma obrigação ruim”, relembra Wadson.

Cozinhar era uma das formas encontradas por ela para demonstrar seu amor. Preparava os pratos favoritos de todos com uma satisfação que eram só dela. Dona Mezina era diabética e seguia sua dieta à risca, mas isso não a impedia de preparar doces deliciosos para mimá-los.

“Ela gostava de preparar coisas pra gente. Eu adorava a almôndega que ela fazia, muitas vezes eu saía da minha casa e ia até a dela só para comer a almôndega lá. Tinha também o costume de fazer frango caipira, mas como não gosto muito, ela fazia outro tipo de carne só pra mim”, comenta Wadson.

Uma memória saudosa que Wadson tem é sobre uma mania peculiar de Dona Mezina: cochilar com o prato na mão após a refeição. “Às vezes ficava quieta e, quando a gente olhava... já estava ela dormindo no sofá. Ela ficava brava quando alguém comentava sobre o cochilo: ‘Não tô dormindo não’, dizia. Mas estava! Fazia isso sempre e em todo o lugar depois de comer. Era meio que uma tradição da família dela, ela e os irmãos sempre dormem quando encontram um lugarzinho.”

Mulher de fé e de fala mansa, “era extremamente religiosa, devota do Divino Pai Eterno. Frequentava todos os anos a festa de Trindade, em Goiás, e costumava assistir à missa pela TV”, recorda o neto. “Quando eu era criança, tinha várias cartas de um jogo chamado Magic e, certa vez, ela jogou todas elas fora, alegando que havia forças do mal ali. Na época, odiei isso! Mas, com o passar do tempo, agora considero como uma situação bem engraçada”, completa.

Extremamente presente, Dona Mezina incentivou os familiares a estudarem, especialmente os netos. Ela não teve muitas oportunidades de estudo, então queria que eles pudessem desfrutar de uma vida com menos obstáculos no caminho. Quando Wadson morou com a avó, ela fazia questão de acompanhá-lo de perto, juntamente com seu irmão. “Ela era rígida com a gente nos estudos. Falava pra gente acordar cedo, perguntava se tínhamos feito tudo e ainda conferia se estávamos cumprindo com os compromissos”.

Dona Mezina era como um arco-íris, refletia todas as cores e carregava consigo a esperança. Adorava usar roupas coloridas e tinha uma coleção de lenços ─ um mais lindo que outro ─ que usava amiúde. Gostava muito de música, de dançar e de ir ao forró. Tinha o hábito de ouvir o que estava tocando na rádio, mas preferia o sertanejo, especialmente aquelas modas mais antigas. Apreciava o evento que a música transmite e o encontro das pessoas.

Extremamente amorosa e atenciosa com todos, encantava quem se aproximava dela. Era impossível não se maravilhar com seu jeito pacato e leve de ser. Seus ensinamentos viverão para sempre, assim como as doces lembranças – tão doces quanto as sobremesas que preparava – que construiu.

Ormezinda nasceu em Carmo do Paranaíba (MG) e faleceu em Itumbiara (GO), aos 76 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo neto de Ormezinda, Wadson Vinicius Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Marina Teixeira Marques, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 2 de junho de 2021.