1946 - 2020
Ele não é a vítima número 114.772, mas sim a honestidade, a solicitude e o trabalho misturado numa só pessoa.
Esta é a homenagem da neta Maria Júlia ao seu avô Ormildo:
Meu avô é mais que um número.
Ele é a cerveja Skol (que tinha que ser de Agudos, senão ele dizia que dava dor de cabeça).
Ele é a botina marrom que sempre usava
e a carteira de couro batida de sempre.
Ele é todos os empregos que ele já teve. Roceiro, fazendeiro, empresário, dono de fábrica de sapato e tantos outros.
Ele é as vezes que ele perdeu tudo e começou de novo.
Ele não é um número.
Ele é a honestidade, a solicitude e o trabalho misturado em uma pessoa.
Ele é todas as vezes que perdeu dinheiro por ajudar os outros.
Ele é o macarrão com atum que eu e ele gostamos e que minha vó faz aos domingos.
Ele é aquela olhada com o sorriso meio de lado, tão gostoso de ver e lembrar.
E os braços cruzados.
Sempre os braços cruzados.
Ele não é um número.
Ele é a pessoa que encarou tudo de frente e fez piada para fazer rir os que estavam em volta.
Ele é "os palavrões" que sempre falava e as músicas que gostava de ouvir.
Ele é todos os filmes de bangue-bangue a que assistiu.
Ele é o Senhor Cervantes, mesmo nem tendo o sobrenome.
Ele é o trabalho dele.
O impacto que deixou nas pessoas.
Mas ele também não é fácil de lidar.
É ele quem grita "Ô, Helena, onde tá...?" pelo menos trinta vezes por dia.
Mas ele não é um número.
Ele é um ser humano que acertou muitas vezes, mas também errou muito durante a vida.
Ele não é a vítima número 114.772 de uma doença que não tem cura ainda e que não está sendo levada a sério tanto quanto deveria.
Ele é o dinheiro que dava no nosso aniversário, no Natal, no Ano-Novo.
Ele é a preocupação com os estudos dos filhos e dos netos que ele sempre teve.
Ele não é só mais um.
E enquanto tantos se importam com estatísticas e números, nós estamos em luto por um marido, pai, avô, sogro, irmão e amigo excelente.
Por um ser humano bom, trabalhador e querido.
Não por um número.
Ormildo nasceu em Gabriel Monteiro (SP) e faleceu em Gabriel Monteiro (SP), aos 73 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Ormildo, Maria Júlia Loli Penha. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Paola Mariz e moderado por Rayane Urani em 29 de dezembro de 2020.