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Paulo César Pereira Reis

1960 - 2020

Animava as festas em família com suas danças desengonçadas.

Paulo César era um homem que gostava de se relacionar bem com as pessoas, levar a vida com leveza e, sempre que possível, ajudar o próximo.

Amava sua família e preocupava-se com seu bem-estar. Foi um ótimo marido para Regina com quem foi casado por vinte e oito anos e um excelente pai para Marianna, sua tão desejada e amada filha, cujo nascimento ele previu, conseguiu acertar, para um dia de Jogo do Brasil contra os Estados Unidos durante a Copa de 1994.

Cultivava uma relação familiar pautada pelo carinho, amor e respeito mútuo. Alimentava muitos sonhos, alguns concretizados e outros não. Viveu o suficiente para ver a filha crescida, formada em Psicologia e casada, mas não conseguiu escrever o livro que tanto desejava, reformar a casa para acrescentar um terraço com uma bela churrasqueira, viajar e comprar a sua BMW...

Ele gostava muito de contar piadas, de animar as festas em família dançando todo desengonçado, todavia não estava nem aí. Também amava comer, passear e contribuir para as pessoas necessitadas. Era voluntário em uma Associação de Crianças Carentes das quais cortava os cabelos, ajudava com cestas básicas e corria atrás de padrinhos para presenteá-las no Natal.

Uma de suas manias era de tomar café e, onde chegava, já ia atrás de um cafezinho perguntando se tinha um "pretinho", tinha que ser no copo, não em xícara. Dizia que tomar na xícara, era frescura. Outra mania, era todo dia dar uma voltinha no bairro e conversar com todo mundo, brincava que era o "jornal do bairro", porque sabia de tudo que acontecia.

"Paulo vivia muito feliz, alegre e de bem com a vida! Não gostava de cozinhar com frequência, porém quando o fazia, colocava toques especiais e muito amor. Amava fazer churrasco, strogonoff, costelinha de porco assada e, até quando fazia um simples arroz, feijão e bife, era uma delícia", contam a esposa e a filha.

Elas se recordam de frases que ele gostava de colocar sempre nos seus grupos do zap, como: "Bom dia, com paz e calma na alma! Boa noite, durmam com os anjos de plantão!"

Regina relembra momentos engraçados da família: "Quando fomos à praia com a nossa filha pela primeira vez, ele estava tão feliz e logo pediu para que o cobríssemos com areia. Nossa, foi muito divertido, logo depois se levantou dizendo que era o Monstro da Areia".

Marianna se recorda de outra história: "Não esqueço do dia em que quis ir muito em um show no meio da semana. Meu pai e minha mãe me levaram, estacionaram em frente à casa de shows e até viram os rapazes da banda. Depois foram para o cinema enquanto eu curtia o show e fiquei feliz de eles curtirem. Depois de adulta, mesmo trabalhando e fazendo faculdade, meu pai acordava todo dia bem cedinho para fazer café para tomarmos juntos e algumas vezes até me levava ao trabalho ou buscava da faculdade. Eu brincava que era o "uberpai".

Foi motorista, também teve um salão de cabeleireiro e, junto com o colega de trabalho, montou um time de futebol. Batia sua bolinha numa quadra alugada. Tinha o espírito jovem, contudo parecia ser o "Tiozinho" do time em meio aos mais jovens e o esquema funcionou até o momento em que levou um chute na canela, cujo machucado demorou a cicatrizar-se. Então foi proibido pelo médico de continuar jogando devido a diabete que enfrentava.

No ano de 2012 viveu um problema de saúde que resultou em um transplante de coração e uma aposentadoria por invalidez, que acabou definindo os seus anos vindouros, inclusive garantindo-lhe o apelido de Coração Valente. Durante sua internação e convalescença se destacava na relação com os médicos e a equipe de profissionais, bem como por seguir à risca as orientações que recebia.

Todas as vezes em que ia às consultas se emocionava e chegava abraçando a todos com muita alegria. Conta a filha que, quando chegava na recepção do hospital, a atendente dizia que não acreditava que ele era transplantado, pois estava constantemente feliz, de bem com a vida.

Daí para frente, sua vida foi marcada por uma imensa gratidão à generosidade dos familiares de seu Anjo Doador. O que mais gostava de fazer era ir ao INCOR, hospital onde fez o transplante e, a pedido dos próprios médicos, visitar os pacientes que estavam aguardando na fila de espera. Levava um pouco de esperança, alegria, fé e, às vezes, até cortava os cabelos de alguns.

Ele tornou-se uma nova pessoa após a cirurgia, se seu coração que já era grande em amor, parece ter se tornado ainda maior. Suas atitudes motivaram várias pessoas a também realizarem o transplante. Conta a esposa Regina: "Com isso, criava-se vínculos afetivos, indo a casa dos pacientes, fazia churrasco em casa, chegando a reunir mais de dez transplantados, se divertindo e trocando experiências... Para o Paulo era muito gratificante fazer essas visitas, levando esperança para quem estava na fila, pelo motivo de só quem passa [por isso] sabe o quanto é difícil."

E ela, assim resume os 30 anos de convivência com o marido: "Era uma pessoa muito boa, trabalhador, honesto, um ótimo marido e pai amoroso, cuidadoso. Muito divertido, agradável com as pessoas e estava continuamente disposto para ajudar... Eu agradeço à ele por todos os ensinamentos deixados e pela linda filha, nossa linda flor".

Segundo Marianna, ele conservou seu alto astral e bom humor até simulando, nos vídeos que lhe enviava, estar lhe fazendo carinho quando passava a mão na tela do celular. Ela finaliza seus depoimentos dizendo: "Meu pai sabia muito sobre as ruas de São Paulo e Guarulhos, porque trabalhava como motorista antes do transplante. Quando faleceu, eu viajei de Belo Horizonte para o Aeroporto de Congonhas e, como nunca tinha ido lá, não sabia qual era a saída correta, só conseguia pensar: meu pai iria saber me ajudar. Pequenas grandes lembranças que me motivam: a seguir a vida".

Paulo nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em Guarulhos (SP), aos 61 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela esposa e pela filha de Paulo, Regina Felomena Domingos Reis e Marianna Domingos Reis. Este tributo foi apurado por Gabriel Rodrigues, editado por Vera Dias, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e moderado por Rayane Urani em 21 de fevereiro de 2022.