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Paulo Martins dos Santos

1967 - 2020

O décimo dos treze filhos de José e Maria. Ordinal sem ordem de importância, numeral só pra falar de amor.

A quantidade de filhos de Maria Cândida e José Maria sempre foi motivo de orgulho para toda a família; a estatística representava, afinal, a multiplicação de um amor puro. E, ali, posicionado entre os seus irmãos anteriores e posteriores, Paulo sabia bem que tal amor não fazia fila. Era ele o filho que sempre buscava o colo e o aconchego da família. Quando menos se esperava, lá estava o instrumentista principal das campainhas das casas dos irmãos e sobrinhos a fazer, com maestria, suas visitas.

Amava ir à chácara das irmãs Dalva e Lourdes; elas eram exímias cozinheiras e ele um exímio bom garfo. "Mãe, acho que estou com problema nas vistas!", dizia na hora do almoço. "Por que, meu filho? Não está enxergando direito?”, perguntava a mãe em tom de preocupação. Ele, sorrindo, retrucava: "É que coloco tanta comida no prato, mas depois de 15 minutos não enxergo mais nada." E todos sorriam da gula e descaramento daquele que, curiosamente, era o mais magro da família.

Peteti, como era carinhosamente apelidado, viveu uma história de muita superação. Depois de longos anos sem profissão e emprego fixos e fazendo uso de narcóticos, foi aos 40 que conseguiu mudar os rumos de sua vida. Casou, encontrou apoio na igreja evangélica onde se converteu e chegou até a cursar Teologia para se tornar evangelista. Com muito esforço, o goiano comprou sua casa própria, tirou a carteira de habilitação e comprou seu carro. O trabalho que exerceu como descarregador de volumes, além da função de motorista de aplicativo, também foi imprescindível no abandono de seus vícios.

"Adorava cozinhar e o fazia muito bem. Sua esposa, Vânia, nem se dava ao trabalho quando ficava em casa nos dias de folga. Principalmente quando o prato era, além do preferido de Paulo, o carro chefe da família goiana: galinha caipira, angu de milho verde e quiabo", revela Maria Rosa, a mais nova das irmãs. "Vi de perto sua vida tornar-se uma superação, o vi tornando-se um milagre; o nosso milagre. Ele recuperou sua dignidade, o respeito da família e de todos que o conheciam. Onde ninguém mais via esperança, houve resiliência. Ele superou todas as expectativas, acredito que até as próprias", conta.

Apesar das dificuldades, Paulo sempre foi uma pessoa amiga, alegre e amorosa. "Amigo dos amigos e mediador nas confusões familiares, um boa praça, fazia amizades com facilidade, simples e feliz com as menores coisas. Lutou para ser um homem honrado. Foi bom filho, irmão, esposo, pai...", aliás, pai de quatro filhos: Thiago, Juliana, Luiza e Ana Beatriz. O laço paterno era tão grande que transcendia e alcançava relacionamentos anteriores. A ex-esposa, Bárbara, mãe de duas de suas filhas, o tinha como um grande amigo, reflexo de um ótimo coração e fácil relacionamento.

Nas campanhias das casas de Brasília imperou o timbre homogêneo de um silêncio ensurdecedor. A visita agora é onde não há desesquecimento. Peteti deixou muito de si em todos que o cercaram ao longo da sua vida, mas também levou consigo um pouco de cada um que o conheceu. "Pela saudade e falta que sentiremos eternamente dele, seu legado foi amar e demonstrar esse amor com toda entrega. Quem ele amou sabia que era amado", declara Maria. "Te amo mano, saudades eternas de você, dos seus risos, da sua humildade, do seu calor... da sua comida! [risos] Grata por ser sua irmã. Grata pelo seu amor", finaliza.

Paulo nasceu em Ceres (GO) e faleceu em Brasília (DF), aos 53 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Paulo, Maria Rosa dos Santos Sales. Este texto foi apurado e escrito por Irion Martins, revisado por Didi Ribeiro e moderado por Rayane Urani em 31 de agosto de 2020.