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Perpetua da Cruz Santos

1938 - 2020

Mulher de fé. Sempre tinha um conselho valioso para dar.

Carta aberta de Paulo Beli Stakoviak para Perpetua

Conheço a Dona Perpétua há 13 anos. Foi em algum desses dias de setembro que a vi pela primeira vez, por ocasião da formatura da minha, na época namorada, Kellen (neta de dona Perpétua). Era um fim de tarde e ela veio até o portão, encontrar conosco, já na calçada, na antiga casa do meu cunhado, onde ela encontrava-se hospedada.

Muitos familiares, incluindo ela, haviam vindo para a formatura da minha esposa. Não sei de quem era a curiosidade maior por esse encontro, se dela, em relação a mim, ou minha, em relação a ela.

Só me recordo que o céu ainda estava rosado, num colorido intenso pelo pôr-do-sol, quando a vi pela primeira vez. Sua alegria e entusiasmo me fizeram apaixonar por ela nesse primeiro instante.

Aquela senhora simpática e sorridente, de braços tortos, que a todos abraçava e amparava, me tomou logo em seu abraço e me fez sentir-me seu neto. E foi assim que me senti, desde o primeiro dia, seu neto.

A sabedoria que lhe era própria, talvez pela idade, talvez pelas mãos calejadas, sempre tinha um conselho valioso para dar. Se o conselho faltava, ao menos era uma boa ouvinte e uma excelente companhia, para qualquer momento. Muitas vezes partilhei conversas agradáveis e cheias de amor e carinho, que ela, como ninguém, conseguia ter.

Me esforçava ao máximo para arrancar dela aquela gargalhada que lhe era genuína, que me fazia sentir estar dando a ela mais alguns dias de vida por estimular aquele riso e alegria que ela sempre esboçava no rosto.

Lúcida como ninguém, entendia em detalhes tudo o que estava acontecendo. Entendeu, até seu último segundo de consciência. Optou por dedicar sua vida à família e à Deus, numa devoção que a muitos inspirava.

Quem, após ter convivido com ela, não conseguiu ser bom pai, boa mãe, bom irmão ou bom filho é porque não entendeu sua missão na terra, que era de espalhar amor e carinho, inspirando os mais nobres sentimentos. Quem não conseguiu se tornar boa pessoa mesmo tendo ela cruzado seu caminho não merece viver o luto de sua perda.

Quando penso na importância que ela teve para minha sogra, dona Neci e seus filhos - Necicleia, Geanderson e Kellen, minha esposa - num momento de grande dificuldade do passado, acredito cada vez mais neste amor sincero que ela nutria pelos filhos e netos.

Graças a esse amor hoje semeio os meus, em casa, com minha esposa e filhos. Gostaria de ter partilhado mais de sua mesa, gostaria de ter tido mais conversas. Gostaria de ter ouvido mais sua intensa gargalhada, que só nos fazia rir e nos enchia de alegrias. Sei que dava mais valor aos que estavam próximos, mas há como não ser assim? Devemos sempre ser justos e prestigiar aqueles que se dedicam mais ao nosso bem-estar, mas estou convencido de que o amor e afeto, por todos, era igualitário, algo que só uma mãe e avó podem oferecer.

E agora ela se foi, mas se vai não por vontade nossa. Sei que foi contrariada. Sei que se foi tendo saúde e lucidez para ainda viver muitos e muitos anos. Mas quem somos nós para entendermos os propósitos de Deus? Quem sabe é melhor assim, pois a dor das dores só sabe quem sente, e isso vai tirando nosso brilho a cada dia. Ela se foi graciosa, cheia de alegria e vigor, e assim será lembrada por todos seus irmãos, filhos, netos e bisnetos.

Em minha casa a Iaiá nunca será esquecida. Sempre será lembrada como esse ser que era capaz de unir a família, mesmo os mais distantes, num ambiente que ela, como ninguém, aprendeu a construir e a chamar de lar.

Perpetua nasceu em Amarante do Maranhão (MA) e faleceu em Imperatriz (MA), aos 82 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta e pelo amigo de Perpetua, Kellen Cleya dos Santos Stakoviak e Paulo Beli Stakoviak. Este texto foi apurado e escrito por Talita Camargos, revisado por Luana Bernardes Maciel e moderado por Rayane Urani em 16 de dezembro de 2020.