1986 - 2021
Os laços fortes com o pai e o irmão o inspiraram a escolher a profissão de caminhoneiro para ganhar a vida.
Os treze anos de diferença entre os dois filhos de dona Carmelita e seu João só acentuaram a irmandade e as diferenças de perfil. Se Claudio, o primeiro, era falante e extrovertido, Rafael, o mais novo, conservava o jeito quieto e pacato. “Tinham gênios opostos, mas eram inseparáveis”, reforça Anna Claudia, filha única de um, única sobrinha de outro. Rafael andava a tiracolo do irmão até quando o primogênito começou o namoro com a moça que se tornaria depois sua esposa. Claudio também o defendia nas rixas de escola e desentendimentos da molecada.
Criado em Sarandi (PR), onde os amigos de bairro e das brincadeiras de skate tornaram-se depois padrinhos de casamento, Rafael deixou o ensino médio por terminar e logo foi atrás de ganhar o próprio dinheiro. Trabalhou em loja de autopeças e com instalações de cabeamento para telecomunicação, porém a paixão pelos caminhões, inspirada na trajetória profissional do pai e do irmão, fizeram-no escolher o mesmo caminho. “Ele praticamente nasceu na estrada”, relembra sua mãe. Rafael acompanhou os dois em diversos trechos e, tão logo conseguiu o novo trabalho, aventurou-se nas rodovias como o condutor principal da boleia. Viajou por vários cantos até que o nascimento do filho Bernardo o motivou a ficar mais perto da família. Passou a escolher destinos próximos de casa para ir e voltar a ponto de usufruir dos abraços dos seus. O garoto, fruto de sua união com Juliana, dava-lhe justificativa e prioridade para fazer tudo que estivesse ao seu alcance para o bem-estar da criança. Rafael também visitava os pais todos os dias, morando, inclusive, ali ao redor.
A essa altura, já tinha vivido a perda precoce e abrupta do irmão gêmeo de alma. A situação virou a vida da família inteira de ponta cabeça. A busca incessante dos porquês e para quê das grandes perdas, envolta nos sentimentos de tristeza e revolta de Rafael, parecia abalar o que lhe era tão sólido. As lembranças, no entanto, alimentavam o coração machucado. “Guardava peças de roupa, uma filmadora e objetos do meu pai que eu nem sabia. Recebi tudo isso com muita emoção”, conta Anna Claudia, ainda comovida. “Parecia impossível um raio cair duas vezes no mesmo lugar. Meu tio era a referência do meu pai para mim. Eu queria que ele pudesse me acompanhar em situações em que meu pai não estaria, por exemplo, no meu casamento. Fico enlutada duas vezes.” O elo agora passa a ser entre os primos, também com um intervalo de 13 anos na idade.
A moça, contudo, fala do tio com amor, admiração e saudade. “Era na dele, não gostava de fofoca nem de confusão, e amava se reunir com a família e os poucos amigos para um churrasco com cerveja. Também ouvia música sertaneja, seu ritmo preferido, por influência do irmão”, descreve a sobrinha. Rafael era, para ela, sinônimo de calma, bondade, generosidade e leveza, amava celebrar a vida e estar rodeado daqueles que ele estimava.
A genética, entretanto, se fez valer para os dois irmãos: “eu sou igualzinha ao meu pai e o Bernardo tem a fisionomia e o jeito do meu tio”, como se a natureza contemplasse a eternidade.
Rafael nasceu em Maringá (PR) e faleceu em Sarandi (PR), aos 34 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela sobrinha de Rafael, Anna Claudia Barboza dos Santos. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Bettina Florenzano e moderado por Ana Macarini em 13 de agosto de 2023.