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Raimundo Naeydi Fernandes da Costa

1937 - 2020

Um exímio contador de histórias, as suas e de seus antepassados, que sempre traziam uma lição e um sorriso.

Nascido em 1937 na cidadezinha de Mirasselvas, Naeydi era um paraense aventureiro. Aos 19 anos, foi trabalhar no estado do Amapá, exercendo a função de radiotelegrafista no meio da Floresta Amazônica. Em 1963, mudou-se para São Luís do Maranhão, onde escolheu criar raízes. Lá, casou-se e teve cinco filhos, sendo duas de coração, nove netos e um bisneto.

Sempre dedicado a passar adiante os valores da família, escreveu um livro contando as histórias de seus antepassados, que era seu maior orgulho, e iniciava dizendo: "Espero sinceramente que este relato não se caracterize somente por informações, mas, acima de tudo, fortaleçam em nós os laços familiares, de amizade, compreensão e respeito. E que através dessa leitura, todos desfrutem do prazer que eu tive com a busca, a pesquisa e o reviver de nossa origem familiar, no relato das histórias que fazem parte das nossas vidas e de nossos antepassados".

Mesmo depois de muitos anos de casado, demonstrava o amor por sua esposa Luiza. Era visível a todos a parceria dos dois, através de suas declarações diárias, puxadas para dançar na varanda, brincadeirinhas e implicâncias, e muita manha, carinho e respeito... "Este é o elo da nossa família", diz a neta Isabela.

Um amor que transbordava. Se deixasse, Vovô Naeydi passava o dia se deliciando ao brincar, dançar e cantar com os pequenos. Era um verdadeiro vovô e biso babão.

Além de se dedicar a transmitir a importância do elo familiar, dava um grande valor para a cultura. Os almoços de domingo em família eram repletos de pratos tradicionais: pato no tucupi, sarrabulho, caranguejo, maniçoba e o delicioso tacacá que ele mesmo preparava. Como um bom e velho nordestino, ensinou os netos a comerem farinha-d'água. "A gente sempre puxava a orelha dele e pedia para ele não exagerar na pimenta e na farinha, mas não adiantava... Meu velho amava uma farinha e uma pimenta", conta a neta. E não se pode esquecer de seu vinho do porto gelado, que o acompanhava durante os almoços.

Vovô Naeydi também era admirador de bolero, marcando as suas músicas preferidas na memória dos netos. E, como um bom maranhense, era grande amante do Bumba Meu Boi. A festa de boi em junho era tradição. Ia fantasiado de caboclo de fita, fofão, vaqueiro... reunia a família toda para uma festança, colocando todos para brincar de boi a noite inteira.

Esse seu espírito alegre e amor pela vida nunca o abandonaram, nem em um de seus momentos mais difíceis. No final de 2019, descobriu um câncer. Mesmo quando foi internado, fazia todos rirem e espalhava as histórias de aventura que estão eternizadas nas páginas de seu livro "Retalhos da história e vidas" por lá também. Logo ficou famoso no hospital pelo seu carisma e pela garra de viver. Os funcionários já entravam em seu quarto com um sorriso no rosto, porque sabiam do ânimo e carinho que ele irradiava. Quando recebeu alta, perto do carnaval, quis se vestir de fofão (personagem típico do carnaval maranhense) para sair do hospital comemorando.

Assim foi feito. No grande dia, ele desfilou com a sua fantasia cantando e dançando, agradecendo a equipe que cuidou tão bem dele. Os vídeos viralizaram na internet, até que foi chamado para uma entrevista para a TV local, Mirante. "Pense em um homem convencido! Ele ficou muito feliz e brincava gargalhando, 'Estou famoso!'", conta Isabela. Naeydi fez questão de agradecer a cada um que lhe desejou uma boa recuperação.

Para a família, continua sendo um exemplo de humildade, força, coragem e, principalmente, felicidade. "Era difícil estar com ele e não rir das suas piadas ou, então, não se admirar com as histórias de suas aventuras da infância no interior do Pará, ou de sua juventude e suas aventuras na Amazônia, dentre outras... Todas contadas com o intuito de nos ensinar uma lição", lembra a neta.

Naeydi passou seus últimos momentos fazendo o que mais amava: comendo bem, curtindo a família, aprendendo, pois sempre estava com um livro na mão, e, claro, contando os navios no horizonte da sua janela... O que mostrava a paz de um homem com o sentimento de dever cumprido. Ele cumpriu sua missão, e sabia disso!

Em seu livro, citou a frase de Oscar Wilde: "Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas não faz mais do que existir". Espalhando muitas alegrias por onde passava, Naeydi viveu.

Raimundo nasceu em Mirasselvas (PA) e faleceu em São Luís (MA), aos 83 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela neta de Raimundo, Isabela Cristina Coelho Lago da Costa. Este tributo foi apurado por Andressa Vieira, editado por Paula Garcia Corrêa, revisado por Paola Mariz e moderado por Rayane Urani em 11 de agosto de 2020.