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Ricardo Carneiro do Nascimento

1967 - 2021

Na adolescência, às escondidas, ele usava os perfumes da irmã ao se aprontar para as festas de forró.

Ricardo era a alegria encarnada. Com seu jeito incansavelmente divertido, transformou o ambiente familiar numa constante festa. Uma pessoa cuja vida foi uma permanente oferta de alegria à esposa, aos filhos, a toda uma família, a uma comunidade de fé e, sobretudo, a Deus.

Essa história é reflexo desse traço da vida de Ricardo. Nos diversos papéis que a vida lhe apresentou, a alegria e a fé fervorosa fizeram com que conquistasse o amor e a admiração daqueles com quem conviveu. Os depoimentos, colecionados pelo sobrinho Diego, remetem a uma grande roda de lembranças, dessas que de vez em quando a gente vive ao redor de uma mesa de nossas casas. E de tão repletos de afeto no modo como narram o jeito de viver de Ricardo, são citados um a um, quase sem cortes, para que não se perca a intensidade do que querem dizer.

A começar por sua mãe, dona Raimunda para quem o filho foi "uma pessoa alegre, que só vivia para a igreja. Era uma pessoa boa, não tinha raiva de ninguém, muito prestativo e amigo de todo mundo. Era fiel a Deus e aos irmãos da igreja. O testemunho dele é muito bonito. Um homem de fé”.

Com carinho, a esposa Valdenice do Nascimento se lembra da expressão carinhosa com a qual Ricardo lhe tratava: “te amo, Cacau”'. Valdenice explica que "ele dizia que, por eu ser muito branquinha, parecia com cacau. No começo do namoro ele só me chamava de cacau!", recorda. Saudosa, ela continua dizendo que “falar do Ricardo é falar de uma pessoa que foi chamada por Deus em tão pouco tempo e que fez muito para o Reino de Deus. Ele foi um pastor que tinha muitos sonhos e um deles era o de liderar uma multidão de ovelhas. Um pastor que se preocupava muito com o bem-estar das ovelhas. Sempre dava uma palavra de força e fé para aqueles que se encontravam abatidos. Sempre estava pronto a ajudar e fazia o possível para mudar uma situação difícil. Passava horas por dia orando pela obra e fazia questão de visitar as ovelhas cara a cara. Em família foi a alegria ou o palhaço da casa, sempre fazendo o seu papel de protetor e provedor em todos os sentidos e situações. Ele foi nossa torre forte dentro de casa. Tinha muitos defeitos, mas suas qualidades sobressaíam. Sempre será lembrado por suas qualidades exclusivas”. Na esperança da fé, Valdenice continua dizendo que “nos restou aceitar e crer no proposito divino! Mesmo com muita dor, sei que o tempo vai reagir a nosso favor e que logo estaremos juntos novamente para uma eternidade com Cristo. Foi uma pessoa que passou em nossas vidas e que ficará para sempre nos nossos corações. Jamais será esquecido! Foi uma pessoa que soube cavar o nosso coração com sua alegria e seu amor. Agradeço ao Senhor pelo curto tempo que ele esteve conosco. Aprouve ao Senhor que fosse assim”.

Um dos frutos do amor de Ricardo e Valdenice, o filho Lucas, afirma: “Ele era muito palhaço. Uma pessoa gentil e que tinha muita fé”. Lucas acrescenta que a vida de Ricardo faz jus ao versículo da Segunda Carta de Timóteo do qual o pai mais gostava e que diz “‘combati o bom combate, completei a carreira e guardei a fé”. Ele era uma pessoa de muito bom gosto, amoroso. Ele era muito determinado, cuidadoso, trabalhador, um ótimo pastor e um ótimo amigo. Eu amava tudo dele, até as brigas, as lutas e a fadiga. E é isso. Eu só quero agradecer por ele ter sido um pai tão bom e tão importante em momentos difíceis. O pai é uma pessoa eterna que a gente nunca vai esquecer. Em breve estaremos juntos novamente para celebrar uma eternidade no Céu, com muito abraço”.

Na mesma sintonia, Vitória, a outra filha do casal reitera: "O meu pai era aquela pessoa que sempre estava com um sorriso no rosto. Ele era trabalhador, esforçado, mas, acima de tudo, mantinha o bom humor e conseguia fazer qualquer um rir. Ele era a alegria em pessoa. E eu sempre sentirei falta dos nossos momentos especiais".

Com lágrimas no rosto, a irmã mais velha, Liduina, recorda do menino com cabelo cacheado que – na adolescência – acreditava ser possível pegar o perfume da irmã sem ser notado. Vaidoso, nos dias de festa de forró, Ricardo às escondidas se perfumava com as fragrâncias guardadas no armário de Liduina. Com um quê de felicidade, ela recorda que “aprender a dirigir foi uma de suas primeiras realizações. Ele sempre me levava para todos os cantos. Depois conheceu a sua amada Valdenice, tornou-se pastor evangélico, mas nunca deixou de ser uma pessoa alegre e brincalhona”. Liduina prossegue dizendo que “ele tinha muitos sonhos. O maior deles era comprar um terreno grande para construir uma igreja, fazer casas para os diáconos, receber outros pastores, ajudar a comunidade com cestas básicas. Era um pastor destemido. Dava assistência aos seus membros e orava por toda a nossa família”. Liduina acrescenta que tem a sensação de que “ainda não caiu a ficha" e segue se lembrando "das risadas... das brincadeiras... Ele era o mais parecido comigo. Ele era apaixonado pela Nice, pela Vitória, pelo Lucas. Foi um verdadeiro pai de família! Embora seja insuportável essa dor para todos nós, só nos resta aceitar e respeitar a vontade de Deus”.

Leandra, a outra irmã, complementa: “O Ricardo era uma pessoa muito alegre e extrovertida. Era a alegria em pessoa nas reuniões de família. Um companheiro que estava lá para tudo. Ele me ajudou muito, especialmente no início de meu casamento, quando eu e meu marido não tínhamos carro. Sempre muito simples e humilde, ele – mesmo ocupando a honrosa função de pastor – nunca exigiu que a gente o tratasse de maneira diferenciada. Era uma pessoa que gostava de tudo. Tudo para ele estava bom”.

O irmão, Roberto, também fala com o mesmo carinho e afirma que “meu irmão era muito importante para mim. Ele me deixou muito triste, mas agora eu sei que ele vai estar com Jesus, indo para a Glória junto com a gente. Era uma pessoa boa, inteligente, obediente à Palavra do Senhor”.

Entre os sobrinhos não é diferente. Para Sarah Jamile “o tio Ricardo tinha um jeito singular. Ao mesmo tempo em que era tão divertido, extrovertido e espontâneo, também era reservado, e suas batalhas eram enfrentadas em silêncio. Era a alegria da família. Um homem íntegro, honesto e gentil. Lembro-me de como ele me tratava ainda muito pequena. Sempre era com muito amor e com várias brincadeiras tais como me virar de ponta-cabeça e me rodar para recolocar os pés no chão”. Sarah acrescenta que “tudo acontecia com grande alegria, o que rendia várias gargalhadas. Sua risada e presença faziam toda a diferença em qualquer lugar. O jeito irreverente com o qual tratava sua irmã Liduina, minha mãe, era inconfundível”.

Sua outra sobrinha, Danielle, desabafa: “Para mim, ainda é muito difícil, mesmo morando longe e não tendo vivenciado tudo de perto. A ficha parece ainda não ter caído. Procuro guardar dele sempre as melhores lembranças”.

Citando a Segunda Carta aos Coríntios, o sobrinho Diego recupera a frase que diz: “Deus ama aquele que oferta com alegria”. Na opinião do sobrinho, é justamente esse sentimento – tão importante para a existência humana – que consegue definir com êxito a essência de Ricardo.

A coleção de depoimentos dessa grande roda virtual de conversa promovida pelo sobrinho Diego pode ser comparada a uma grande reunião familiar ao redor de uma mesa. No movimento de lembrar e dizer sobre Ricardo, cada um, do lugar onde se encontrava, a partir de seu ponto de vista, rememora e fala sobre alguém muito querido. E no modo particular de cada olhar, trazem facetas de um mesmo Ricardo, tendo como ponto comum a maneira alegre de viver e a fé.

Como a fé e a alegria nunca morrem, Ricardo segue vivo no coração de cada um dos familiares e fiéis; na força de recuperar a inconfundível alegria representada por ele e nos momentos em que ao se lembrarem de Ricardo, cada um enfeita o próprio rosto com, ao menos, um leve sorriso.

Ricardo nasceu em Fortaleza (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 54 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo sobrinho de Ricardo, Diego do Nascimento Mendonça. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 1 de dezembro de 2022.