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Ricardo da Costa Fonseca

1965 - 2021

Aos domingos, a cozinha era com ele. De lá saíam cozidos e frutos do mar que jamais serão esquecidos.

Ricardo costumava dizer que a infância foi muito feliz, ao lado dos seis irmãos e dos pais, na sempre querida por ele, Piratininga, na orla de Niterói. As crianças não tinham muitos brinquedos, em função das dificuldades pelas quais a família passava; então, as brincadeiras eram feitas nas redondezas da casa. “Ele andava muito até chegar ao colégio, pois a escola ficava em outro bairro de Niterói, Jurujuba. Ele ia andando com os irmãos, e cortavam caminho por uma estrada que ficava dentro de um quartel do exército”, conta a esposa Roseli. “Ele disse que uma vez subiu em uma árvore para pegar uma fruta e um trator passou por cima do material de colégio dele, que estava dentro de um saco de arroz... Chegando em casa, a mãe o repreendeu. Para minha sogra, ele era o filho mais levado!”, recorda Roseli, com quem Ricardo foi casado por 31 anos.

O casal se conheceu no bairro de Arsenal, em São Gonçalo. Quando ele tinha uns 13 anos, o pai comprou uma casa para a família naquele município fluminense. Deixaram Piratininga pra trás, mas o bairro da infância nunca deixou Ricardo. O sonho dele era um dia voltar pra lá, diz Roseli.

A história de Roseli e Ricardo começou ainda na juventude. “Já nos conhecíamos de vista, e uma vez fomos em uma festinha americana que tinha na época e lá ficamos juntos pela primeira vez. Com um ano e nove meses de namoro nos casamos”, diz, para reforçar: “Ele era o amor da minha vida”. O pedido de casamento foi em uma pedra, na praia, em Piratininga. Era mais um marco do bairro na vida dele.

Muito vinculado ao sentimento familiar, Ricardo, após o falecimento do seu pai, teve no sogro um apoio afetivo muito grande. “Ele adotou o meu pai como pai dele até o meu pai também partir… ele ajudava o meu pai no que era preciso… e o meu pai o amava como filho também…”, lembra Roseli.

Ricardo, com 24 anos, Roseli com 20, casados, tinham um plano comum: ter uma casa e filhos. Casados desde maio de 1990, formaram a família, que foi composta também por Caio – advogado, para orgulho do pai - hoje com 28 anos; e Clara, de 21 anos, estudante de jornalismo. O pai ficou super feliz quando ela passou no vestibular para esse curso, mas ele não chegou a vê-la começar a faculdade. O falecimento de Ricardo ocorreu no primeiro dia de aula de Clara na universidade.

Com a família Ricardo vivia o melhor dos mundos. Com Caio, adorava assistir às corridas de Fórmula 1. Ele era fã de Ayrton Senna. Até sofrer um acidente de carro, gostava de jogar futebol com os amigos. Ricardo era goleiro. Depois, a relação com o futebol ficou relacionada à paixão pelo time do coração, o Fluminense.

Muito trabalhador, dedicou-se primeiro ao trabalho em obras, com o pai, na juventude. Mais recentemente, era gerente de vendas e representante comercial, além de trabalhar como corretor de imóveis. O objetivo era um só: dar conforto para a família.

“Nos finais de semana, ele gostava muito de ir passear comigo no calçadão da praia de Piratininga e tinha sempre que ir no Tibau, um lugarzinho de Piratininga, sua terra natal. Ele passava sempre em frente a casinha que ele nasceu e viveu; parava e ficava ali olhando a casinha e lembrando da infância dele, algumas vezes ele até chorou fazendo isso”, lembra Roseli.

Dedicado aos filhos, era considerado um “super pai”. Era ele quem saía à noite para buscar Caio ou Clara nas saídas com os amigos. Amava um churrasco com a esposa e os filhos, e seu amor também se estendia à natureza, especialmente aos pássaros e aos animais. Na TV, gostava de assistir programas sobre os animais. E aos domingos, o dia era dividido entre a casa e a igreja. A cozinha era com ele mesmo - suas especialidades eram os frutos do mar e o cozido com legumes, verduras, carnes e linguiça. "Ele cozinhava, almoçávamos juntos, depois ele descansava um pouco e íamos pra nossa igreja, nós dois, e, às vezes, íamos junto com os filhos para a igreja deles", relembra Roseli.
Uma característica de Ricardo é que ele partilhava com a esposa os cuidados com a casa. “Era um cara de bem com a vida, nunca ficava triste e sempre achava que as coisas iam melhorar”, enfatiza a companheira de uma vida inteira que exalta a união e a cumplicidade do casal: "nós dois passamos muita coisa juntos, e nosso amor venceu!"

Com facilidade para fazer amigos, o Tutuca - apelido de infância - era comunicativo e fazia as pessoas a sua volta rirem. Sempre foi muito alegre. Semore foi apaixonado pela Roseli. “Já falei que te amo hoje?”, era uma pergunta que ele sempre fazia pra ela.

Ricardo foi um homem que viveu para cuidar da família e sempre teve muita fé. Embora não encontrasse com frequência os irmãos, sempre dizia que os amava muito. “Quando a irmã dele, chamada Nega, o chamava para ir na casa dela almoçar, ele ficava numa alegria!”, lembra Roseli... Além de tudo, a Nega morava em Piratininga, na beira da lagoa, o lugar preferido de Ricardo no mundo.

Quis o destino que Ricardo passasse os últimos dias da sua vida no hospital, em Piratininga, de onde avistava a lagoa que ele ia quando criança… Ricardo e sua vocação para o amor e o cuidado deixaram saudades imensas em todos. E, também, a certeza de terem sido amados e cuidados de uma forma tão intensa quanto a falta que ele faz.

Ricardo nasceu em Niterói (RJ) e faleceu em Niterói (RJ), aos 55 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa de Ricardo, Roseli Barroso Espindola Fonseca. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Patrícia Coelho, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 13 de junho de 2022.