1957 - 2020
Sabendo que alguém estava chegando, ela abria a porta do apartamento e ficava esperando a visita em pé, ao lado do sofá.
Foi na cidade mineira Divino que tudo começou. A segunda dos sete filhos do senhor Eli e dona Luzia nasceu num mês de abril e foi aprendendo a ser uma filha carinhosa que mantinha com os irmãos um relacionamento harmônico. Com Fabiana, a relação manteve-se muito intensa durante toda a vida. As duas dividiam muitas questões do cotidiano, sempre buscando apoiar-se mutuamente. Com os outros, o carinho era o mesmo, mas em função do transcorrer da vida, nem sempre podiam estar próximos.
Na vizinhança da casa onde nasceu, morava Antônio. Por algum tempo o vizinho passou despercebido, mas, na juventude, começaram a namorar e ele acabou sendo o companheiro de vida, com quem Rita gerou Ana Paula, Rafael e Jacson. O amor e a cumplicidade foram a marca da relação do casal, que também teve como característica a facilidade de fazer muitos amigos.
Os dois eram funcionários públicos. Ela professora da rede estadual de ensino de Minas Gerais e Antônio técnico agrícola da Ruralminas. Em vários momentos da trajetória profissional do marido ocorreram transferências que implicaram em mudança de cidade. Com isso, Rita também pedia transferência de escola e seguia os passos de Antônio.
Ela começou a lecionar em Divino e sempre contava como o trabalho era exigente e até penoso nas escolas rurais da região. Naquele tempo não havia transporte para os professores e alunos, e Rita dependia de caronas e caminhadas para chegar até a escola. No calor dos dias de sol ou na lama dos dias de chuva, ela sempre encontrava um jeito de chegar até a sala de aula para seu encontro diário com os alunos do antigo primário.
Em cada localidade por onde passavam, faziam muitos amigos que, vez por outra, iam visitar. A grande amiga de Rita era Maria Aparecida, chamada carinhosamente de Bani. As duas se falavam todos os dias, por telefone ou rede social, em conversas nas quais dividiam muitas questões de suas vidas pessoais.
Com as transferências do marido, Rita acabou tendo cada um dos filhos em uma cidade mineira diferente. Ana Paula nasceu em Unaí, Rafael em João Pinheiro e Jacson em Carangola. No período mais recente a família vivia em Muriaé, também em Minas Gerais.
A mãe zelosa acompanhou o crescimento dos três filhos, acolhendo as demandas de cada um na infância, adolescência e fase adulta. Nas férias escolares a família costumava viajar para praias do Espírito Santo. Os três foram crescendo e Rita, acostumada às mudanças de cidade em sua vida, viu o filho mais novo, Jacson, mudar-se a trabalho para o Rio de Janeiro.
Mais ou menos a cada três meses Jacson visitava a família em Muriaé. Na véspera, Rita logo ligava ou mandava mensagens pela rede social procurando saber o que o filho queria saborear. E enquanto esperava a chegada do filho, cozinhava alegre. As especialidades dela eram as rosquinhas de nata e Caçarolas Italianas. Se fosse inverno, não faltavam caldos e canjiquinha para saborear e aquecer. O “Feijão Amigo”, como chamam na família, era um caldo de feijão apreciado por todos, feito com muita cebola ralada, linguiça calabresa e cheiro verde.
Noutras vezes era Rita quem ia até o Rio de Janeiro visitar o filho. Numa dessas oportunidades ela protagonizou um acontecimento que, como disse Jacson, significou “um perrengue danado.” Ela soube que haveria uma sessão de autógrafos de um livro do Padre Marcelo em um Shopping da capital carioca. Eles foram e encontraram uma enorme fila, que começava do lado de fora do centro comercial. Resultado: Rita ficou na fila de 10 às 19 horas para conseguir seu autógrafo.
Os cuidados de Rita também chegavam a todos da família que moravam no mesmo prédio em Muriaé. A sogra Délia, carinhosamente chamada de Zelinha, sabia que podia contar com Rita, que morava no andar de baixo. Se alguém fosse receber alguma encomenda, pedia que ela atendesse o entregador.
A sobrinha Daiane teve uma relação bem próxima com Rita durante cerca de oito anos. Ela conta que quando chegava no portão do prédio, era a tia quem jogava a chave pela janela para que pudesse entrar. Logo na chegada, vinha com a tradicional pergunta, feita a todos que fossem à casa dela: “Quer comer alguma coisa?” Não importava a hora, ela gostava de agradar a quem chegasse e logo compunha uma mesa farta e saborosa para as refeições. Na despedida, Rita também preparava potinhos com seus quitutes, que iam junto com um toque especial de amor.
Rita tinha um outro hábito muito marcante. Esperava as visitas com a porta do apartamento já aberta, com coração aberto e sorriso no rosto recebia a todos com um caloroso abraço.
O certo é que, por onde estivesse, a dimensão do cuidado sempre foi uma marca de Rita. Era assim na igreja católica que frequentava, onde participava da organização de festas e leilões, no mês de maio, em homenagem a Nossa Senhora. Participava ativamente também de diversas pastorais, tais como a dos noivos e a do batismo. Graças a sua devoção a Maria, Rita rezava o terço todos os dias pedindo bençãos e em ação de graças. Na Paróquia de Nossa Senhora do Sagrado Coração também fez muitos amigos.
Nas horas de descanso, Rita gostava muito de jogar buraco na internet. Bastava ter um tempinho e lá estava ela diante da tela dando suas cartadas. No final da tarde e início da noite, apreciava telenovelas. Enquanto realizava as tarefas domésticas, mantinha o rádio sempre ligado para ouvir músicas e um programa local chamado “Plantão de Polícia”.
Antes de terminar, há um fato que não pode deixar de ser narrado. Rita não teve netos enquanto vivia. Mas numa demonstração de seu enorme desejo de tê-los, bordava toalhinhas, dessas usadas para limpeza da boca das crianças na hora da refeição. E dava de presente para os filhos para que usassem quando seus filhos nascessem. Quando soube que o filho Jacson e a nora Laís investigavam as causas pelas quais não estavam conseguindo gerar seu primeiro neto, Rita acompanhou tudo de perto. Com fé, rezava para que o tratamento tivesse sucesso e o sonho deles e dela pudesse tornar-se realidade.
E a história de Rita, que começou em Divino, ganha um toque divino. Três meses após seu falecimento, num sonho, Jacson teve a intenção de ligar para a mãe e dizer a ela que tinha ido a uma consulta com o especialista em fertilidade. Ainda no universo onírico, com uma certeza inabalável, veio a resposta de Rita dizendo "Pode ficar tranquilo que já deu tudo certo". Já na vida real, uma semana depois, a nora Laís fez o teste de gravidez e já tinha a neta Clara em seu ventre. Na madrugada do nascimento de Clara, a sobrinha Daiane, também em sonho, esteve com Rita. E ao acordar viu a notícia da chegada dela em sua rede social.
Rita segue viva no bordado inacabado da toalhinha que preparava para um de seus netos. No caderno de receitas digitado por ela e salvo no computador pessoal de Jacson. Nos momentos em que alguém resolve preparar a receita de Caçarola Italiana. Rita segue viva na lembrança daqueles que amava.
Rita nasceu em Divino (MG) e faleceu em Muriaé (MG), aos 63 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho e pela sobrinha de Rita, Jacson Brum Gomes e Daiane Gomes Pereira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 21 de novembro de 2021.