1960 - 2021
Possuía o dom de contar as maravilhas de um acontecimento, ainda que o fato em si fosse triste.
A vida de Rivaldo, desde suas origens, poderia bem ser um filme daqueles cheios de altos e baixos. Com um amor avassalador que se passa em belas terras nordestinas, a história inicia quando - apaixonada -, sua mãe foge de casa em busca de se casar com seu amor e formar uma família; ao todo, o casal teve seis filhos.
Nos anos seguintes, decidiram tentar a vida no Rio de Janeiro e daí, "de mala e cuia", a família foi experimentar os ares cariocas. Infelizmente, aos 35 anos, seu pai veio a falecer em decorrência de uma tuberculose; diante disso, o menino assume de vez a função de irmão mais velho, colaborando na criação de seus irmãos em parceria com a mãe.
Desde muito cedo já sabia que queria era trabalhar, ainda que seus pais incentivassem o estudo ele decidiu partir para a labuta. Muito esforçado, chegou a trabalhar até em canaviais, sendo guiado por uma motivação: queria ter seu dinheirinho para gastar com as namoradas. Rivaldo gostava de relembrar e divertir a família contando as histórias de sua juventude, época na qual ganhou o apelido de "Siri, Soró, Sereno", - apesar ser um moço pequenino, parecido com um "sirizinho", possuía um charme galanteador que fazia sucesso entre as moças nos bailes e forrós que frequentava.
De seu primeiro casamento nasceu Daniele, por quem precisou lutar pela guarda, e desde que a obteve, criou a filha com a maior dedicação. Já em sua segunda união nasceu um filho, mas infelizmente não teve oportunidade de conviver como gostaria, já que a esposa partiu e o levou junto. Por fim, seu coração conheceu Sandra, com quem permaneceu junto até o fim de sua vida - não medindo esforços, mimava e fazia tudo pela amada. Ao conhecê-la, ganhou outros três grandes amores: Juliane, Julio Cesar e Ingrid, frutos dos relacionamentos anteriores da esposa os quais assumiu como pai. Por eles se dedicou inteiramente, deixando tudo para trás para que os meninos crescessem em Minas.
A caçula Ingrid conta, com afetuosidade, sobre a ligação de convivência que tinha com o pai: "Ele participou de todas as etapas da minha vida. Era aquele que fazia vontades minhas e dos meus irmãos, saía para comprar chocolates, educava com broncas quando necessárias, ia às reuniões de colégio e comprava brigas quando acreditava que precisava nos defender. Além do mais, era um verdadeiro companheiro dos nossos amigos", relembra.
Ela e Rivaldo eram muito parceiros, foi para ele quem contou a história de seu primeiro beijo; e o responsável por fazer canja quando adoecia.
A filha guarda com muito carinho a época que gestou Helloíse - inclusive, o nome foi escolhido por Rivaldo. Quando descobriu estar grávida, ficou bem assustada e acreditou que o pai fosse se decepcionar; ele muito pelo contrário, carinhosamente a acolheu em um abraço e lhe disse: "filho é benção"; dali em diante, foi presença marcante nas consultas de pré-natal. E se não fosse tanto, quando a neta veio ao mundo não aguentou de vontade e invadiu o hospital para conhecê-la: "Como o parto havia sido complicado, não eram permitidas visitas naquele dia - meu pai saiu arrastado pelos seguranças", diverte-se ao lembrar.
Rivaldo era cozinheiro, e para ele o ditado "em casa de ferreiro o espeto é de pau" nunca fez sentido algum. Amava cozinhar, em especial para os seus; no casamento da filha não poderia ser outro churrasqueiro senão ele mesmo. E para se ter uma ideia da paixão, era o responsável por cozinhar em todas as ceias natalinas - assim aconteceu até no ano em que havia sofrido um AVC poucos dias antes!
De volta ao Rio, por muito tempo foi uma pessoa que não ligava para futebol, até a hora em que ganhou um genro tricolor e passou a ser Flamengo fanático só para pirraçar e se divertir. Ingrid diz que herdou uma grande característica do pai: a teimosia; por sinal - sendo ela suspeita por dizer - chama essa característica de obstinação. Além do passatempo com times de futebol, a pescaria era algo que Rivaldo apreciava bastante, do mesmo jeito que a música, os churrascos e as cervejinhas. Estar sempre com a neta também se tornava um prazer para o avô carinhoso - ia a praia e se divertia muito com a pequena.
Era um homem que envolvia as pessoas em suas histórias, ressaltava as partes boas por mais que os fatos em si fossem tristes. Também, um ótimo ouvinte, não julgava quem quer que fosse.
Bem humorado e divertido, eram muitos aqueles que o queriam vê-lo bem; as pessoas se apegavam facilmente a ele - sua humildade, resiliência e serenidade eram marcantes. No tempo em que ficou enfermo, mobilizou a equipe para auxiliá-lo no contato com a família e demonstrar todo seu amor por vídeo chamada.
Como homenagem Ingrid tatuou a assinatura do pai, gesto que em seguida virou tatuagem de família, já que sua mãe e irmãos fizeram o mesmo.
Rivaldo nasceu em Goiana (PE) e faleceu em Rio das Ostras (RJ), aos 60 anos, vítima do novo coronavírus.
Testemunho enviado pela filha de Rivaldo, Ingrid Vieira da Silva. Este tributo foi apurado por Ana Helena Alves Franco, editado por Ana Helena Alves Franco, revisado por Luana da Silva e moderado por Rayane Urani em 3 de outubro de 2021.