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Salmito de Almeida Neto

1952 - 2020

"Guardem a imagem desse dia como o dia em que encontrei Luiz Gonzaga vestido com meu melhor sorriso."

Salmito foi "um marido amoroso, um pai exemplar e um avô apaixonado". Sua filha Rachel o conhecia tão bem que tomou a liberdade de deixar sua homenagem com um texto em primeira pessoa, unindo sua voz à dele, imaginando com carinho as palavras de sua despedida:

"Há algum tempo, tive que lutar pela minha vida com forças que nem imaginava ter. Foram dias longos, difíceis. Mas encontrei em pessoas e orações uma ajuda imprescindível para não me sentir sozinho ou triste, para não ter medo.

Aliás, vocês precisam saber o quanto sou alegre. Desde muito cedo, o trabalho é meu combustível. Nele, sempre fui muito competente e organizado. Planejei tudo diariamente, até quando estava no hospital.

A família sempre foi meu alicerce. A razão de tudo. Convivi quarenta e cinco anos com minha Madá, minha esposa, e tive filhos a quem deixei um exemplo de honestidade e afeto. Eles herdaram de mim a vontade de vencer, de realizar sonhos e, principalmente, de ajudar o próximo e ser gentil.

Falam que meu melhor papel é ser avô. O vovozinho com quem meus netinhos adoravam brincar. Proporcionei a eles memórias inesquecíveis e muito carinhosas, que nem o tempo irá apagar.

Fui um grande amigo. Muitos choraram minha partida.

Fui amparado pela fé em meus últimos dias. Quem costumava conversar comigo, sabe que sempre encarei a morte de maneira divertida. Falava que devia ser muito bom, que iria para um lugar com muitas pessoas de quem há anos sinto saudade, com muita música também.

Ah, a música... é outro amor que carrego e que sempre me acompanhou. Em todas as ocasiões da vida, a música é bem-vinda. Uma canção tem o poder de curar, de alegrar, de lembrar, de transformar a dor... Foi escutando minhas músicas preferidas e as vozes dos meus familiares que me despedi da vida. Foi rodeado de pessoas, que em algum momento cativei, que tive meus últimos momentos.

Sempre tive o dom de cativar. Cativei amigos de todas as idades. Em todos os lugares onde eu chegava, gostava de assar carne, tomar uma boa cerveja gelada e conversar muito. Conversava sobre coisas que vivi. Minhas histórias eram sempre ouvidas por todos, seguidas de risadas.

E assim gostaria de ser lembrado. Gostaria que vocês me conhecessem um pouco e não pensassem que fui só mais um número nessa estatística tão cruel. Não queria também ser lembrado como apenas mais um paciente. Porque levei comigo o essencial de cada um, pode acreditar. E foi muito especial.

Meu agradecimento a todos. Minha família também é muito grata aos cuidados que a mim foram dedicados.

Guardem a imagem desse dia como o dia em que encontrei o Luiz Gonzaga vestido com meu melhor sorriso. Ele me entregou seu chapéu e sua sanfona e me permitiu, no mês junino, puxar uma música com ele no dia de São Pedro. Foi uma grande festa.

Salmito."

Salmito nasceu em Ubajara (CE) e faleceu em Fortaleza (CE), aos 68 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela filha de Salmito, Rachel Bessa Salmito. Este tributo foi apurado por Thaíssa Parente, editado por Tatiana Natsu, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 19 de setembro de 2020.