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Santa Batista Brandão

1930 - 2020

Em seu coração repleto de sabedoria ancestral cabiam todos os filhos do mundo.

A nonagenária Mãe Santinha ─ como era carinhosamente chamada e conhecida por todos ─ vivia na Aldeia Nova Vida, na terra indígena Katukina/Kaxinawá, na região de Tarauacá-Envira, num município chamado Feijó, no interior do estado do Acre.

Por lá, em meados de 2020, 90% da população de aproximadamente 170 pessoas foi contaminada pelo novo coronavírus, inclusive diversos familiares da matriarca da etnia Shanenawa.

"Mãe Santinha era uma pessoa muito divertida", conta o neto Davi Kumãhu Shanenawa e complementa: "Uma grande marca pessoal dela era sua forma de amar todas as pessoas. Ela teve três filhos homens e quatro mulheres, era avó de mais de 30 e já contava uns 40 bisnetos", diz o neto.

Era dedicada aos filhos, netos, bisnetos e a todas as pessoas que ela conhecia. Por seu carinho enorme, as pessoas respeitavam-na demais e só a chamavam de "mãe", "ewa" ou ainda "Tsaka" (seu nome na língua indígena). "Ela gostava muito disso, nunca gostou de ser chamada de 'avó'; ela era mãe de todos, seu coração era muito acolhedor e era uma das pessoas mais inteligentes da aldeia", relata o neto.

A morte de Santa foi a primeira a ser registrada na etnia. O momento de sua partida foi em meio a uma situação em que quase todo o seu povo ainda encontrava-se infectado ou em recuperação da doença.

Ela gostava muito de ir a Rio Branco para passear e encontrar sua neta Gemina. A família sente muito a falta dela, do amor de pessoa que ela era... Todos na aldeia ainda têm a sensação e vêem como se ela tivesse ido apenas passear na capital e ainda não tivesse voltado.

"É como se uma biblioteca viva tivesse partido. Ela se foi levando grande parte de seus conhecimentos, sua ancestralidade, as músicas tradicionais e história de seu povo", lamenta Davi Kumãhu Shanenawa.

Santa nasceu em Feijó (AC) e faleceu em Cruzeiro do Sul (AC), aos 90 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo neto de Santa, Davi Kumãhu Shanenawa. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 11 de maio de 2021.