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Sebastião Costa

1949 - 2020

Tinha um jeito sério, mas gargalhava sozinho com as mesmas cenas de desenho animado.

Seu Barrinha, como era conhecido, era um homem saudável, forte, corajoso, íntegro e honesto. Era uma pessoa de poucas palavras, poucos amigos, cara dura e coração mole.

Cearense nascido em Iguatu, começou a trabalhar bem cedo como torneiro mecânico, profissão da qual tinha muito orgulho e que desempenhava brilhantemente. Aprendeu o ofício só de olhar.

Ainda criança mudou-se para a casa de uma irmã em Fortaleza e com o que ganhava conseguiu comprar sua primeira casa, na cidade natal; o mesmo imóvel onde, anos mais tarde, iria residir com toda a sua família. Aos 18 anos, surgiu a vontade de ir para São Paulo. Sua mãe vendeu uma vaca para auxiliar nas suas despesas e com a cara e a coragem ele foi em busca de uma vida melhor.

Sozinho, fez contato com um amigo que morava na capital paulista. Já no dia seguinte cuidou de encontrar uma pensão, onde morou até se estabelecer melhor. Mesmo sendo um dos mais novos da família, foi ele quem abriu caminho para que outros irmãos também pudessem seguir para São Paulo.

A história de Sebastião com a esposa Josefa também teve São Paulo como cenário durante muitos anos. É que a então namorada, que ficara no Ceará, numa bela feita decidiu ir à capital paulista para visitar suas irmãs. A princípio era só um passeio, mas o amor por Sebastião falou mais alto. De lá, por carta, comunicou aos pais que não voltaria, pois iria se casar com Barrinha. Da relação dos dois nasceram os filhos Sílvia, Sandra, Valter e Sílvio, que lhes deram dois netos: Vítor Brenno e João Neto.

A vida em São Paulo foi sempre de muito trabalho. As filhas contam que ele saía cedo de casa e voltava bem tarde. Sandra tem na memória madrugadas em que acordava e ouvia o barulho do pai tomando banho para iniciar a longa jornada do dia. Antes de sair, Sebastião passava no quarto dos filhos, conferia se estavam todos bem e ajeitava as cobertas de cada um. Ao voltar, trazia balas e doces para alegrar os filhos.

Durante os vinte anos em que viveu em São Paulo, Sebastião sempre disse que queria voltar para a cidade natal. E foi no dia 6 de julho de 1988, coincidência ou não dia de seu aniversário, que Sebastião embarcou junto com a família na rodoviária para a viagem de volta ao Ceará. Os familiares nem queriam acreditar quando ele contou que havia comprado as passagens. Só acreditaram mesmo quando ele mostrou os bilhetes. Em Iguatu, montou sua própria oficina e tornou-se um profissional respeitado na cidade.

Apesar do jeito sério, Seu Barrinha tinha um coração muito afetuoso, e ajudava a todos que lhe procuravam. A única coisa que não tolerava eram perguntas óbvias. A estas, dedicava o silêncio. No Dia das Crianças e no Natal não faltavam brinquedos para os filhos. As irmãs Sílvia e Sandra jamais se esquecem do dia em que namoraram uma boneca na vitrine da loja de brinquedos. Era véspera do Dia das Crianças. Sebastião percebeu e perguntou se elas queriam a boneca. Com a resposta positiva, ele não titubeou e investiu no desejo das meninas quase todo o pagamento de uma quinzena de trabalho. “Naquele dia ele ficou só com dinheiro para um lanche e o táxi da volta”, conta Sílvia.

Quando Dona Josefa ficou sabendo, perguntou ao Seu Barrinha por que ele tinha comprado um presente tão caro. E ele respondeu: “porque vi as bichinhas olhando”. As meninas, felizes, combinaram de sempre brincar juntas com a boneca, numa lição de partilha.

Situação semelhante ocorreu com o filho mais novo, Sílvio. Quando estavam retornando ao Ceará, o pequeno, com apenas 2 anos, se encantou com um enorme caminhão vermelho de madeira, em uma das muitas paradas de ônibus. Sem hesitar, pegou o brinquedo e saiu correndo, com o dono da loja atrás. Seu Sebastião interveio e disse ao comerciante que não se preocupasse, uma vez que iria pagar pelo brinquedo. No restante da viagem, para alegria de Sebastião, Sílvio brincou com o caminhão, correndo dentro do ônibus e batendo a madeira dura nas canelas dos irmãos.

Ao filho Valter, Sebastião inicialmente tentou ensinar o ofício de torneiro mecânico. Valter, no entanto, tinha alergia a ferro, muito usado na oficina. O pai decidiu que iria pagar um curso de informática, abrindo as portas para o futuro profissional do filho.

A relação de Seu Barrinha com os netos também foi sempre de muito afeto. Na pandemia, as visitas passaram a ser por chamada de vídeo, e o menorzinho, João Neto, pedia ao vovô Barrinha cuidado com o coronavírus. O neto mais velho, Vítor Brenno, era um dos orgulhos de Sebastião, pela conquista de cursar Medicina em uma universidade na Paraíba, com bolsa integral pelo Prouni. O avô teve o prazer de conhecer pessoalmente a universidade onde Vítor estuda.

Seu Barrinha gostava também de dar jogos de tabuleiro de presente para os filhos, e sempre que podia organizava partidas cheias de diversão. Outra distração de Sebastião era assistir a desenhos animados. Ria como criança, mesmo sozinho.

Outra paixão era o futebol. Corintiano doente, sofria com as partidas do time do coração. Chamava todo mundo de corintiano, e em sua oficina mandou pintar o escudo do clube nas duas portas. Até o nome do filho Valter tem a ver com isso, pois foi uma homenagem ao centroavante Walter Casagrande. Quando o Timão ia jogar em cidades nordestinas próximas, logo reservava vaga nas caravanas e ia torcer junto com Valter. Entre seus planos estava uma volta a São Paulo para conhecer o novo estádio do clube.

Sebastião gostava muito de música: Roberta Miranda, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Dalva de Oliveira, Aguinaldo Timóteo, Bruno e Marrone... Na época dos discos de vinil, era frequente ter de comprar LPs novos para substituir aqueles riscados de tanto uso. Até com dores na coluna ele cantava, deixando a vizinhaça admirada com sua energia musical.

O neto Vítor Brenno herdou o gosto pelo canto, e em uma homenagem ao avô, numa live, interpretou um repertório de músicas mais antigas, como Barrinha havia sugerido.

Sebastião era grande apreciador da culinária regional, acompanhada de uma cachacinha. Entre suas preferências estavam mungunzá, paçoca, carne de carneiro, buchada, sarapatel e galinha caipira.

Embora com pouquíssima instrução, Seu Barrinha impressionava a todos com seu vasto conhecimento de geografia do Brasil e do mundo. Na Matemática fazia contas como ninguém. Aprendia rapidamente tudo que a ele era ensinado.

Temente a Deus, sempre que podia ia às missas de domingo nas igrejas de São José e Senhora de Santana. E como bom nordestino era devoto de Padre Cícero. Ele e a família visitaram várias vezes a igreja de Juazeiro do Norte, onde o corpo do padre está enterrado.

Sebastião segue vivo nos projetos e sonhos que ajudou a tornar realidade. Trabalhador, responsável, carinhoso e dedicado à família, com seu jeito todo próprio e corajoso, viveu momentos felizes e deixou muitos ensinamentos... Um amor que permanecerá em muitos corações!

Sebastião nasceu em Iguatu (CE) e faleceu em Iguatu (CE), aos 70 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela esposa, pelos filhos e pelo neto de Sebastião, Josefa Bezerra Costa, Valter Bezerra Costa, Sílvia Bezerra Costa, Sandra Bezerra Costa Viana, Silvio Bezerra Costa e Vitor Brenno Bezerra da Silva. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Fernanda Ravagnani e moderado por Rayane Urani em 27 de julho de 2021.