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Sirlei da Silva Caldeiras

1962 - 2020

Alguém para quem o tempo estava sempre ensolarado.

Sempre disposta, a Dona Sirlei não colocava obstáculos em nada. "É pra fazer? Então, bora colocar a mão na massa! Tem que ajudar? Quem é? Onde está a pessoa? Tá na hora de passear? Já estou com a roupa de ir." ela dizia.

Sua alegria transbordante atraía muitas amizades. Não havia um dia que passasse sem falar com as amigas. Essa mesma alegria não deixava o tempo ruim chegar pra ninguém, nem mesmo para aqueles com quem tinha alguma desavença. "Eu já vi a minha mãe ajudar até gente com quem ela estava brigada", conta a filha Adelita.

Esse jeito "Dona Sirlei" de ser vinha também acompanhado de algumas palavras que não daria para escrever neste tributo. "Quando estávamos cabisbaixos, a minha mãe logo chegava falando uns palavrões. Ela não tinha vergonha. Falava mesmo. E já fazia a gente rir e ver o lado bom da vida. Ela era assim..."

Mãezona, Sirlei sempre colocou o bem-estar dos filhos em primeiro lugar. No começo do casamento, ela e o esposo Orlando – que conheceu aos 13 anos em uma festinha de igreja – tornaram-se pais de três: Adelita, Agnaldo e Fabiana. Infelizmente, a caçula veio a falecer 10 meses após o nascimento. A perda da filha abalou muito o casal, em especial Orlando, que ficou sem rumo no trabalho. Com isso, Sirlei, que era dona de casa, precisou pensar rápido e agir para garantir o sustento dos filhos. Foi aí que teve a ideia de trocar garrafas de vidro – que na época tinham um alto valor de troca – por comida. "Ela catou uma carriola e encheu de garrafas. Pegou o meu irmão e eu, e fomos pra frente do mercado. Lá, ela trocou as garrafas por sacos de comida e frango. Voltamos pra casa felizes. Quando meu pai chegou, ele se assustou com o que tinha para comer e perguntou o que tinha acontecido. Minha mãe falou toda orgulhosa de sua atitude", lembra Adelita.

Adelita conta que a relação de Sirlei com ela e o irmão foi sempre muito amorosa. "Digo que, comigo, a minha mãe tentava equilibrar coração e razão. Já com meu irmão, ela era coração e coração".

Antes de ter filhos, quando era uma menina, Sirlei já demonstrava quão protetora era. Na infância, seu protegido era o seu irmão mais novo, o Polaco. "Esse era o xodó dela", diz Adelita. Sirlei era a quarta filha de seis irmãos. Todos trabalhavam na roça e tinham uma vida muito simples. "Minha mãe contava que só tinha um vestido para ir para a escola e as outras crianças 'tiravam sarro' dela por isso, mas, mesmo assim, ela não se abatia".

O grande exemplo de vida de Sirlei foi sua mãe. Uma mulher forte, que ensinou a filha a ser forte também. Sirlei sempre foi sinônimo de fortaleza para os irmãos, para os filhos e para os netos.

A chegada do primeiro neto, João Gustavo, foi uma surpresa. Nem mesmo Adelita havia planejado ser mãe. Então, quando contou para Sirlei que estava grávida, achou que poderia receber uma bronca, mas Sirlei simplesmente pulou de alegria. "Isso foi uma das coisas que mais me marcou na nossa relação. Ela me acolheu", diz Adelita.

Foi com os netos João Gustavo e Fabiana que Sirlei colecionou algumas travessuras depois de idosa. "Teve uma vez que o meu filho chegou falando pra ela que alguém precisava ir à escola assinar uma advertência, porque ele havia ido de boné. A minha mãe respondeu: 'Se eu for lá assinar, a sua mãe nem precisa ficar sabendo disso'. E, acredite, foi o que ela fez. Fiquei sabendo disso esses dias!", conta Adelita, que lembra rindo das "coisas da Dona Sirlei".

Outro dia, foi a vez de aprontar com a neta Fabiana. "Minha mãe amava plantas. Certa vez, ela decidiu 'roubar' umas plantas na rua com minha menina. E não é que ficou presa debaixo de uma cerca? Aí, veio um senhor perguntando se ela queria ajuda. Ela, presa lá debaixo da cerca, já foi falando: 'Não. Não preciso de ajuda e não coloque a mão na menina'. Fui saber dessa história recentemente".

Essa era a Dona Sirlei. Nas palavras de Adelita: "A esposa do Orlando, a mãe da Dé e do Gui, a sogra do Léo e da Lu, a vó do João e da Fabi. Uma peça fundamental em nossas vidas, que não é só mais um número. Ela era o nosso alguém".

Sirlei nasceu em Terra Boa (PR) e faleceu em Hortolândia (SP), aos 57 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Sirlei, Adelita da Silva Caldeiras Alves. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Michele Bravos, revisado por Maria Eugênia Laurito Summa e moderado por Rayane Urani em 8 de setembro de 2021.