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Solangio da Cruz Pereira

1963 - 2020

O garimpeiro que tinha as pedras mais preciosas em casa.

Quando criança, ganhou uma bicicleta da marca Caloi, diferenciando-o da sua turma de pedalada, que todos tinham bicicleta Monark. Esse presente foi o suficiente para definir o seu apelido “Caloi”. Há quem o chamava de “Monark” tentando o contrariar, mas Caloi era tranquilo demais para se irritar.

Caloi dedicou toda a sua vida ao garimpo. Mesmo sem saber o que tinha debaixo da terra, ia atrás de ouro, pois tinha esperança de encontrar. Porém, as suas pedras mais preciosas estavam guardadas em casa, a sua família.

Para os almoços de domingo, muito arroz e carne eram bastantes para Caloi. Nada de comida sofisticada. Para a sobremesa tinha aquela famosa melancia que ele sempre comprava na feira, pela manhã e que, antes de levar para casa dividia com o pai, Sr. José de Ribamar. O Seu Riba. Em casa, apenas Caloi deliciava-se com a melancia. Sua família deliciava-se com as sobremesas que ele chamava de “sofisticadas”. Às vezes, tinha companhia para comer a melancia.

Foi com a sua companheira Rosângela que Caloi teve quatro filhos: Hellen Solizangela, Hellryhellen, Hellryherllyson e Helldryhellen. Para homenagear a irmã Solizangela, Caloi colocou o nome na sua primeira filha e, depois foi “misturando os nomes” como conta o seu único filho Hellryherllyson. O Cabeção, como Caloi o chamava.

Os filhos de Caloi lembram com carinho dos finais de ano que passavam com o pai. Caloi fazia questão de liberar todos os funcionários do garimpo para cear com a família e só retornava depois do Ano Novo. Essas eram as duas datas preferidas de Caloi. Sempre sorrindo e brincando com todos. Quando dava meia-noite, todos recebiam o abraço caloroso de Caloi. Hoje Cabeção usa a bota que deu de presente ao pai, no último amigo-secreto, no garimpo. Mas, “esse ano o Natal vai ser muito diferente sem ele”.

Cabeção teve a oportunidade de visitar o pai no hospital. “Eu falei que ele sempre foi forte e que ia passar disso e ele falou pra mim, olhando, com um olhar meio desesperador: não, dessa vez é mais forte”.

Solangio nasceu em Araioses (MA) e faleceu em Itaituba (PA), aos 56 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Solangio, Hellryherllyson Caldas Pereira. Este texto foi apurado e escrito por jornalista João Vitor Moura, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 11 de agosto de 2020.