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Tatiane Lima Dutra

81 - 2021

Suas gargalhadas eram contagiantes, mexiam com os de casa e até com a vizinhança.

Essa é uma história que conta sobre Tatiane e ao mesmo tempo de um amor de irmãs. Ela era dona de uma mansidão invejável, que não era abalada sequer em situações desafiadoras e que foi capaz também de manter acesa sua enorme vontade de viver. A mulher dona de um belo sorriso é lembrada por características definidas pelas palavras vaidosa, amizade, irmã e pela expressão “companheira de todas as horas”.

Filha do primeiro casamento de Neide com Ayrton, Tatiane e a irmã Viviane eram inseparáveis como unha e carne. Foi assim quando aconteceu a separação do casal, evento que reforçou ainda mais a união das duas. Nas lembranças de Viviane estão os momentos em que brincavam juntas numa “linda infância” repleta de encantamento. Entre as memórias mais frescas estão as brincadeiras na chuva onde sorriam enquanto se molhavam. Noutros momentos, Tatiane virava professora de Viviane que, bem novinha, virava aluna numa escolinha improvisada em algum canto da casa. “Nós nos protegíamos uma a outra, ela era para mim um pedaço de uma história familiar que tinha se acabado e eu para ela” conta Viviane. A intensidade do laço era tamanha que as duas dormiram juntas na mesma cama até a adolescência e era demonstrada pela forma carinhosa quando era chamada de “Tati”.

No segundo casamento de Neide com Francisco nasceu Ariane, mais uma irmã para participar das brincadeiras. E do casamento de Ayrton com Lúcia vieram Jhonatam e Isabele com quem, pelo fato de não morarem na mesma casa, Tatiane não teve oportunidade de brincar.

Quando moça e muito vaidosa, Tatiane tinha como primeira ação do dia um hábito saudável e que demonstra bem essa característica. Assim que acordava, passava protetor solar no rosto; a boca ganhava um batom e os olhos tinham seus contornos reforçados com lápis preto. Nunca saia de casa sem passar hidratante no corpo e gostava de usar seus brincos, anéis e pulseiras de prata. Além dos cremes para as mãos, fazia as unhas toda semana.

Todos esses cuidados eram também fundamentais para manter uma apresentação impecável no trabalho. Tatiane era uma excelente vendedora que se destacava por seu desempenho. Trabalhou por um bom tempo numa famosa loja de Surf wear localizada no Guarujá, litoral de São Paulo.

Entre os fatores que contribuíam para seu desempenho nas vendas está sua paixão pela praia. Tati não perdia chance de viajar para o litoral. No cotidiano, outro gosto dela era a leitura. Toda noite, antes de pegar no sono, pegava seu livro e lia algumas páginas. Se o assunto fosse a escolha do que comer, não tinha dúvidas e decidia pelas as massas. Entre todas, seu prato predileto era uma lasanha.

Outro grande amor da vida de Tatiane foi a filha Tayná. Fruto do relacionamento com Edmilson, que durou cerca de dez anos, a menina cresceu sempre sob os cuidados da mãe amorosa que dedicava a ela a habitual ternura materna. Carinhosa e preocupada, Tatiane não media esforços para que a filha fosse feliz.

Fisicamente Tayná é muito parecida com a mãe. Em tom de brincadeira e entre risos, Viviane afirma que no tocante ao jeito de ser e personalidade é uma cópia fiel dela. Tayná é “agitada, bocuda e tem personalidade forte igual a mim” diz Viviane, acrescentando que a sobrinha herdou dela e da mãe um enorme coração. Atualmente com 22 anos, acaba de ser mãe do Felipe Gustavo, neto que Tatiane infelizmente não pode conhecer.

Ainda sobre o bom coração de Tatiane, cabe ressaltar que durante cinco anos ela ajudou a mãe Neide a cuidar do padrasto Francisco com Alzheimer. Depois a mãe de Neide, dona Eloina, também teve a mesma doença. Neste período Tatiane tornou-se uma cuidadora em tempo integral dos dois juntamente com Neide.

Enfim, Tati e Viviane mais que irmãs foram amigas de toda vida. “Eu podia contar tudo pra ela..., falar com confiança a respeito de qualquer coisa com ela. A Tati nunca me julgava, mas, ao contrário, aconselhava e apoiava. Quando me separei pude contar com conversas longas, importantíssimos conselhos, e muito amor vindo dela” relembra Viviane agradecida. Sempre positiva, Tatiane também foi presença marcante quando Viviane atravessou um momento de depressão. As palavras da irmã, guardadas com carinho no coração, foram fundamentais para superar o estado depressivo.

Tatiane segue viva nas manhãs de cada dia, quando Viviane acorda e, a exemplo da irmã, passa hidratante no corpo. Na prática de patinação de Viviane que ganhou de Tati seu primeiro patins. Nas caminhadas na areia da praia, que revivem o prazer sentido por Tatiane ao caminhar olhando para o mar e sentindo o toque do vento.

Tatiane nasceu em Campo Mourão (PR) e faleceu em Campo Mourão (PR), aos 39 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela irmã de Tatiane, Viviane Lima Dutra. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e moderado por Rayane Urani em 26 de maio de 2022.