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Teodomira Mendes Cézar

1944 - 2021

A música, que tirava do fole da sanfona, era uma das expressões de sua contagiante alegria.

Teodomira era a alegria em pessoa. Com seu jeito, seus hábitos e seu sorriso, espalhava felicidade onde quer que estivesse.

Era graças a essa característica e a uma empatia sem igual que ela, de diversas maneiras, chamava a atenção daqueles com quem se relacionava. No ônibus, por exemplo, ela entrava, procurava seu assento e logo puxava conversa com quem estivesse do seu lado. Com muita humildade e uma escuta carinhosa, sabia respeitar o que as pessoas diziam e com isso cativava muita gente, sem abrir mão de seu modo de viver e pensar.

A alegria estava permanentemente estampada em seu rosto. Dona de um riso fácil, sempre encontrava razões para sorrir. Até mesmo nos momentos em que contava algum acontecimento relativamente triste, buscava destacar em sua narrativa um aspecto que, em alguma medida, também era motivo de graça. Inclusive nos momentos em que pessoalmente estava preocupada ou um pouco entristecida, o sorriso não a abandonava e sobressaía em seu rosto.

O resultado desse seu jeito alegre e cativante foi sua habilidade em conquistar amigo. Eles eram muitos e estão espalhados pelos diversos espaços que Teodomira frequentava. Após seu falecimento, a família foi descobrindo que ela fora confidente de muitas pessoas. Na vizinhança, na igreja e entre seus clientes.

Sim, entre clientes, uma vez que a costura fez parte de suas atividades durante um bom tempo. No seu quarto de trabalho, a prosa era garantida. Enquanto Dona Teodomira tirava medidas ou durante a prova das roupas, as clientes iam contando a ela suas questões. E em meio ao barulho da máquina ou corte de tecidos, Teodomira ouvia, aconselhava e como sempre, sorria.

Importante dizer que a costura foi fundamental na complementação da renda da família. Na zona rural, em Brasília de Minas, no município de São Francisco, em Minas Gerais, e também nos tempos em que mudou-se para a cidade a fim de que os filhos pudessem estudar, a lida com os tecidos e linhas complementava a renda que ela e Seu Eurico conseguiam como agricultores na Fazenda Santa Justa. Um pouco mais tarde, Teodomira mudou-se para Montes Claros e, apaixonada pela costura, fez novos clientes e amizades.

Com a experiência que foi adquirindo ao longo do tempo, ela começou a fazer também vestidos de noiva. Um de seus orgulhos foi o que ela fez para a sobrinha Evani. Com o habitual esmero, caprichou nos detalhes do acabamento e o resultado, além de agradar à cliente, fez o mesmo com os convidados da cerimônia de matrimônio.

Com o passar do tempo, Dona Teodomira teve uma tendinite. O quadro foi se agravando até o ponto que, por recomendação médica e para evitar as dores, ela precisou parar de costurar.

O casal foi abençoado com muitos filhos: Érico, nome sempre acompanhado de “o mais velho” nas falas da mãe; Eduardo; Edson; Evandro, a quem dona Teodomira fazia questão de frisar ser “o quarto”; Ionara, Américo e Iolane, que tiveram oportunidade de estudar e ampliar seus horizontes graças ao trabalho árduo de seus pais. Foi assim também que ela e o marido conseguiram construir a casa da família. Teodomira não perdia a oportunidade de dizer que amava os filhos, acrescentando que “se me perguntarem de qual eu mais gosto, eu não sei.”

Dos casamentos dos filhos vieram 15 netos com os quais a avó tinha um carinho muito grande. A cada nascimento, ela celebrava como se fosse o primeiro. Quando conhecia as crianças, lá estava em seu rosto um sorriso feliz e maternal.

Sobre o nome das filhas, uma curiosidade associada à religiosidade e fé de dona Teodomira. O segundo nome das duas é “Aparecida”. Desejando ter uma filha mulher, depois de conceber quatro meninos, fez uma promessa para Nossa Senhora Aparecida. O trato era que se tivesse uma menina a chamaria de Aparecida. Um tempo depois veio Ionara Aparecida. Mais tarde, com o nascimento da segunda menina, ela decidiu manter a promessa, que foi batizada com o nome de Iolane Aparecida.

A formatura de Iolane, em Medicina, foi muito celebrada pela família e por Dona Teodomira. Foi também com a renda da costura que a mãe colaborou ativamente para este acontecimento. Ela ajudava a filha a custear os cursinhos pré-vestibular, e assinava revistas para que ela e os filhos pudessem ampliar sua cultura geral, o que foi fundamental no momento da prova de redação.

A fé foi uma herança de seu Gregório, o pai, que era católico fervoroso. No tempo em que morou em Montes Claros, dona Teodomira ajudou, inclusive, nas campanhas e quermesses para construção da igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem. Redundante, mas necessário dizer, que tudo era feito com muita alegria e felicidade, como levava todas as dimensões de seu existir.

No relato afetuoso do filho Érico, a “mãezona” sempre viveu a vida muito intensamente. Ele descreve a trajetória dela dizendo que “quando criança, ele brincava muito. Na juventude, fez muitos passeios e gostava muito de festas. Quando adulta, ela e o pai se casaram e tiveram uma relação muito boa”. O certo é que a filha caçula de seu Gregório e dona Herculana cresceu feliz e com todos os mimos da mais nova.

Uma outra vertente em que a alegria de dona Teodomira ficava evidente está associada à música . Autodidata, aprendeu a tocar uma sanfona de cento e vinte baixos por seus próprios meios. Juntamente com seu Eurico, gostava muito de tirar músicas do fole do instrumento do casal. Com uma boa noção de ritmo, se não estivesse com a sanfona, tocava pandeiro e triângulo. O resultado era muita música acompanhada de sorrisos e convites a todos para que dançassem. Aliás, quando não estava tocando nada, ela também dançava alegremente.

Entre as melodias que permanecem na memória de Érico está a da música “Piaba”. Com o acompanhamento dos acordes da sanfona, dona Teodomira cantava. Um dos versos lembrados pelo filho diz assim: “Ei piaba eu não sei nadar, o amor dos outros eu não sei tomar!”

Também para se divertir, Dona Teodomira gostava muito de sair para comer fora de casa e de organizar festas e receber os parentes e amigos. Na cozinha da casa, um dos pratos mais esperados era o frango caipira, bem como um cozido de favas e o macarrão com seu tempero especial.

Um dos coletivos em que convivia era o grupo de terceira idade do SESC – Serviço Social do Comércio. Foram muitas as viagens que fez junto com as amigas do grupo para diversas localidades do país. Para dona Teodomira, cada viagem era momento de reforçar os laços que já cativara e conquistar novas amizades.

Dona Teodomira segue viva no trabalho de costureiras que atravessam a vida dos familiares. No soar da sanfona tocada nos braços de seu Eurico. Nas recordações de tantos amigos que tiveram, nesta mulher feliz e amorosa, sua confidente.

Teodomira nasceu em São Francisco (MG) e faleceu em Brasília de Minas (MG), aos 77 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelo filho de Teodomira, Érico Mendes César. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Ernesto Marques, revisado por Bettina Florenzano e Ana Macarini e moderado por Ana Macarini em 22 de julho de 2022.