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Vagner Buenos Gireli

1982 - 2020

Para escapar de ser caçoado por ter perdido os óculos no mar, dizia que os tinha dado de presente a Iemanjá.

Vagner era uma pessoa surpreendente. Exerceu várias profissões, estava sempre disposto a ajudar no que fosse preciso, de maneira que 24 horas pareciam pouco para tudo o que ele fazia no transcorrer de um dia. Conheceu a esposa Elaine pela internet, no ano de 2004, e nunca mais se separaram. Viveram um casamento de dezesseis anos e dessa união nasceram duas filhas.

Amava fotografar e fazer filmagens com uma pequena câmera que levava para onde ia, registrando os bons momentos da vida. Tudo era por ele filmado: os churrascos em casa; as comemorações dos aniversários e de outras datas festivas; a acomodação da família dentro de seu carro, com as meninas no banco de trás; os passeios comuns, as viagens e, como não poderia deixar de ser, o nascimento das filhas.

Para garantir o registro desses momentos, ele fazia coisas inesperadas, como no nascimento da primeira filha, em que ele, de tão nervoso que estava, entrou no centro cirúrgico sem as roupas apropriadas e foi “expulso” da sala; ou então ao descumprir a regra de não levar crianças para visitas no hospital onde nasceu a segunda filha.

Sua arte tinha dois destinos: um deles era o "grande público", com as postagens dos aniversários das meninas num site de compartilhamento de vídeos; o outro, a família, que era filmada sem saber durante os churrascos e que, ao assistir aos filmes, divertia-se numa verdadeira sessão de "videocassetadas".

Outro objeto de registro eram suas viagens. Ele era capaz de deixar a câmera ligada o tempo todo para não perder nenhum detalhe e ainda ficava muito bravo quando as filhas não queriam ser fotografadas. Conta Elaine que todos os anos a família fazia uma viagem de férias. Ele era apaixonado por tais viagens: “Estávamos programando outras, eram sempre fantásticas e divertidas. Íamos de carro, conversando, parando, vendo as paisagens”.

Dessas viagens, dois vídeos em paisagens capixabas foram motivo de muitas risadas. Um deles quando subiram na Pedra do Elefante e ele se filmou como se fosse o Indiana Jones. Com seu espírito aventureiro, dizia que no caminho tinha visto uma onça pintada e inúmeros outros animais. O outro mostra ele subindo sozinho a Pedra da Botelha. Ele contava que chegou a pensar em desistir, mas o que ficou gravado foi ele falando no meio do vídeo: "Pelas minhas filhas, minha esposa, pela minha mãe e meu pai, eu vou continuar, vou chegar até o fim".

Inesquecível também foi a primeira viagem de avião que fizeram: "Ele estava igual criança de tão animado e não se importou de pagar mais caro para que todos pudessem ir sentados junto à janela”, conta Elaine.

Deixou tantas boas histórias que é difícil selecionar as mais interessantes, mas a esposa ainda se lembra de mais algumas: “Durante uma viagem que fizemos para Porto Seguro, ele entrou no mar com seus óculos escuros, mergulhou e os perdeu; aí, quando perguntávamos: 'Vagner, você perdeu seus óculos?' Ele respondia: 'Não. Deixei pra Iemanjá' — só para não falar que havia perdido. Teve outra vez que ele enganou todo mundo, falando que ganhara na loteria e o povo ficou danado!”

Outra paixão de Vagner era a música. Ele não sabia tocar nenhum instrumento, mas possuía um violão que utilizava em todas as festas com música ao vivo para tirar uma foto e depois “provar” que era ele que estava fazendo o show. E, de foto em foto, deixou o registro de vários dos seus "espetáculos", até com o seu “público”, com as mãos levantadas, como se costuma fazer num show de verdade.

Amava todos os tipos de música e o último show que assistiu com a família foi o do Gustavo Lima, em janeiro de 2020. Conta Elaine: “Ele ia comigo pra fazer companhia, porque eu sempre amei ir a shows e ficar no alambrado. Eu me divertia, porque ele caçava confusão com todo mundo que estava do lado. Ele queria ir ao banheiro e não conseguia, até que ele grilava e falava 'fica aí com seu cantor' e saía; mas sempre me acompanhou”. Ele gostava muito de viver e era um amante da vida e da esposa. O amor entre os dois era recíproco. Ele era muito companheiro, parceiro e brincalhão, mas rabugento às vezes.

Vagner participava da vida das filhas. Depois que a mais velha nasceu, ficaram bem grudados e ele acompanhou toda a sua infância. A mais nova ele chamava de "passarinho" porque, enquanto preparava salada, ela ficava com a boca aberta para ele colocar um pouquinho. Era um paizão que as acompanhava em todas as apresentações da igreja, da escola e onde mais fosse preciso. Gostava de levá-las à praia, até em dias de semana, e o lazer preferido da família era ir ao cinema assistir às estreias e aos filmes da Marvel. Ele amava os heróis.

Também se divertia nas festas com os amigos, nas quais jogava dominó e baralho até o sono chegar e ele ir para o quarto dormir. Seu sono era sagrado e não o trocava por nada, independentemente de estarem só os de casa ou de haver pessoas de fora.

Amava a casa cheia, com festas, músicas e churrasco. Os amigos eram da família, as festas eram da família e todos gostavam de tudo que era feito. Ele sempre pensou na família. Os eventos tais como aniversários de casamento, Dia das Mães, aniversários da esposa e das filhas, eram sempre planejados com muito carinho. Fosse uma viagem ou uma festinha, era sempre com muito amor.

Comer bem era mais uma de suas tantas paixões. Tinha mania de fazer salada e as comia todos os dias. Tomava vinagre com gelo e sal. Em sua geladeira, sempre tinha quatro ou cinco cabeças de repolho. Toda vez que ia ao mercado, achava que não tinha mais e trazia outra pra casa. Sua comida preferida era dobradinha e, se pudesse, comeria todos os dias, bem como a faria para servir a todo mundo. Chegou a construir um fogão à lenha para fazer sua comida favorita e muitos churrascos.

Nos finais de semana, gostava de pescar e levar a família junto. Ficava bravo durante as pescarias pois, além de ter que preparar o anzol dos demais — e de possuir a melhor vara e todos os apetrechos em uma maleta cheia de frescura —, não conseguia pegar nenhum peixe, enquanto os outros, com suas varas simples, conseguiam.

Era metódico em suas manias, como a de passar num posto de gasolina e comer uma coxinha antes de ir trabalhar. Tinha uma frase engraçada que sempre dizia: "Eu nunca erro; o dia que eu errei, foi quando achei que estava errado". Brincava que possuía a empresa "PALPITEC", que oferecia palpites técnicos e que as pessoas podiam lhe pagar para recebê-los.

Elaine resume Vagner, com carinho: "Ele era uma pessoa autêntica, verdadeira. Era 'elétrico', tinha muita vontade de viver, esforçado, inteligentíssimo, tinha ideias mirabolantes. A gente pensava muito, quebrava a cabeça com alguma coisa, e daí a pouco ele vinha com a ideia. Tudo o que quis ele conseguiu: comprar um terreno, uma roça; entrar em um carro zero quilômetro; andar de helicóptero. Gostava muito de dormir, era 'bom de cama'; carismático, amigo, honesto e eu tenho muito orgulho de ter sido sua esposa”.

Vagner nasceu em São Mateus (ES) e faleceu em São Mateus (ES), aos 38 anos, vítima do novo coronavírus.

Testemunho enviado pela esposa de Vagner, Elaine Nunes. Este tributo foi apurado por Emily Bem, editado por Vera Dias, revisado por Maria Eugênia L. Summa e Marília Ohlson e moderado por Ana Macarini em 13 de dezembro de 2021.