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Vilmar Heck

1964 - 2020

Dono do café que cheirava longe, e do olho verde bem pequenininho que brilhava quando ele chorava.

Descendente de família alemã e com uma fisionomia tipicamente germânica, Vilmar era conhecido por todos como “Alemãozão”. Por onde quer que passasse, chamava atenção e sua aparência era uma porta de entrada para brincadeiras. “Meu pai era de família alemã, falava alemão fluentemente e era gordinho e brancão, então todo mundo chamava ele assim, desde sempre, até os irmãos dele”, descreve a filha mais velha Denise.

Rodeado de amigos, Vilmar adorava uma boa conversa. “Ele nem conhecia direito a pessoa e já estava fazendo piadinha”, recorda a caçula Ana Caroline. Estar com os vizinhos era comum e, mais ainda, tomar mate na casa deles. As músicas gaúchas eram suas favoritas e estavam sempre tocando no celular – que ele não tirava das mãos –, ou nos churrascos do final de semana, onde as composições do cantor Teixeirinha também tinham presença garantida e “Raízes dos Pampas” não podia ficar de fora.

O fim de semana era sagrado para esse colorado apaixonado. Sua maior alegria era juntar a família e fazer um churrasco. Assistir aos jogos do Internacional era rotina, tanto é que ele assinou o pacote Premiere para conseguir acompanhar todas as partidas. Dono das paródias mais engraçadas e espontâneas, Vilmar mal podia escutar uma canção, que uma invenção logo saía. “Ele ouvia uma música e já começava a inventar, da cabeça dele, algo com que pudesse brincar”, lembra Denise.

Sempre que queria provocar as filhas e a esposa, Vilmar começava a falar na língua estrangeira, já que elas não entendiam absolutamente nada, e então ele se divertia à beça. Ele era assim, espírito brincalhão e extremamente ligado às meninas. Pai amoroso do Denis (que faleceu aos 19 anos em decorrência de uma insuficiência respiratória), Denise, Ana Paula e Ana Caroline; marido companheiro de Valderez; avô babão do Theo; e amigo dedicado para todas as horas.

Se ele pudesse ser resumido em poucas letras, essas letras juntas formariam as palavras “determinação” e “companheirismo”. Denise conta que ele foi o primeiro a apoiá-la quando ela saiu de casa para morar em outra cidade, “ele era aquele pai que tentou fazer de tudo para estar perto, nunca mediu nenhum esforço. Ele me ajudou a correr atrás da minha vida, me ensinou a começar uma vida do zero.”

Ao longo de sua história, Vilmar enfrentou diversos percalços, mas sempre se superava, dando a volta por cima em tudo que aparecesse pelo caminho. Após sofrer um acidente de carro, teve que se aposentar e passou a ficar muito mais tempo em casa. Foi, a partir de então, que ele dedicou inúmeros momentos a fim de deixar a casa bem cuidada e com cara de lar. Mexer com a natureza era algo que o acalmava e relaxava. “Ele gostava de arrumar o jardim. As várias plantas que cultivava floresceram agora. A casa estava sempre impecável nos detalhes”, conta Denise.

No início, admitir que ele não poderia voltar a trabalhar 100%, que teria que ficar em casa, foi bem difícil; mas o apoio de suas meninas amenizava a sensação de impotência. Ana Caroline, a filha mais nova, era quem passava a maior parte do dia com ele. A rotina dos dois estava sempre em sintonia. Desde a preparação do café do pai – que, segundo ela, “cheirava longe” – até as tardes adoçadas com o “bolinho alemão que só ele fazia”, os dois estavam juntos.

Vilmar tinha o hábito de beber a água e guardar um restinho no copo mesmo. Todos os dias eram assim. “Ele tomava água e sempre deixava um pouquinho no copo na mesa da cozinha. A gente perguntava o porquê desse restinho de água, ele dava risada e saía”, lembra Ana Caroline. Mania essa, que, inclusive, ele passou para sua esposa depois de sua partida.

Rodeado de mulheres, ao ser contemplado com o primeiro neto, Vilmar encontrou a maior felicidade e se sentiu completo. “O nascimento do nosso pequeno Theo, com certeza é algo que nunca vamos esquecer. Meu pai sempre quis ser avô de um menino, foi nossa maior realização, nossa maior emoção.”

Durante todos os dias, o vovô do Theo ensinou mais do que se pode imaginar. Eternamente haverá espaço para um golinho de aprendizado dentro das lembranças construídas com amor.

Vilmar nasceu em Itapiranga (SC) e faleceu em Ponta Grossa (PR), aos 55 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pelas filhas de Vilmar, Denise Heck e Ana Caroline Heck. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Marina Teixeira Marques, revisado por Lígia Franzin e moderado por Rayane Urani em 10 de dezembro de 2020.