1953 - 2020
Tinha uma coleção de ternos para vestir em toda e qualquer ocasião, na mais pura elegância.
Sob sol ou chuva, durante anos, lá estava Virgílio no seu trabalho de gari, nas ruas de Mauá, na Grande São Paulo, para ganhar o sustento. Também fizesse calor ou frio, ele caprichava no figurino usando os ternos do seu guarda-roupa para sair de casa, não importava o motivo. “Meu pai era metido, ele dizia: ‘quero atenção só para mim’”, brinca a filha Kamilla. E, ainda fazendo alusão ao traje, ela emenda: “Falava que, quando morresse, não queria flor no caixão, queria apenas usar o terno mais bonito e a Bandeira do Corinthians, seu Time favorito”. Por ironias da vida, seu pedido não pôde ser atendido.
Pai de mais cinco filhos – Maria das Mercês, Francisca, Kássio, Karlos e Kelvin – vindos de quatro casamentos, Virgílio era animado, brincalhão e gostava da casa cheia. Aos domingos, esquentava a churrasqueira para assar uma carne e reunir a prole, os netos e a bisneta à sua volta. “Ele tinha uma risada escandalosa, era divertido, alto astral, fazia a alegria dos nossos encontros”, conta Kamilla, que ainda relembra com saudades os abraços apertados e afetuosos do pai. Aficionado por Dipirona, receitava o medicamento para o mal que aparecesse: “De unha encravada até dor de cabeça”, diverte-se.
Piauiense da Zona Rural, Virgílio cresceu trabalhando na lavoura, mas foi para a cidade em busca de uma nova condição. Enviuvou da primeira esposa, com a primogênita ainda criança e tentou outros amores até encontrar a maranhense Cacilda, professora na sua cidade natal, com quem depois fez família, migrou-se para São Paulo e viveu por trinta e dois anos. Pedia à sua filha Mercês que levasse bilhetes na escola para entregar à nova pretendente. “Ele prometeu uma dúzia de calcinhas de presente para minha irmã em troca dos bilhetes, contudo nunca as deu”, completa a filha, ao som de uma gargalhada.
Homem forte, resistente e proativo, tinha como maior projeto regressar ao Piauí quando se aposentasse. Com as economias, começou a construir, ainda de longe, uma casa enorme nas terras de origem, Picos no Piauí. Acompanhava tudo por fotos e vídeos trocados diariamente com o pedreiro. Com o primo Batista também conversava sem pressa, por vídeo, sobre esse e tantos outros assuntos. “Ele comentava com todo mundo sobre essa casa, compartilhava longos áudios e as fotos de cada prego que colocassem.” Depois de meses, Virgílio já sonhava com o dia que fossem colocar a laje, como um sinal do desejo sendo concretizado. Afastado temporariamente do trabalho por conta da pandemia, não hesitou e decidiu embarcar de ônibus para o Piauí para alcançar com os olhos a tão sonhada casa. E conseguiu!
Virgílio nasceu em Picos (PI) e faleceu em Picos (PI), aos 67 anos, vítima do novo coronavírus.
Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha de Virgílio, Kassia Kamilla de Sousa Araújo. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Fabiana Colturato Aidar, revisado por Magaly Alves da Silva Martins e moderado por Rayane Urani em 21 de dezembro de 2021.