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Zélia Maia do Nascimento

1945 - 2020

Gostava de cuidar das pessoas e de tomar um cafezinho assentada na frente de casa.

Zélia foi uma mulher muito simples, que nunca se casou, e abriu mão da própria vida para cuidar dos seus. Foi ela que esteve ao lado dos pais até o último dia deles. Depois, dedicou-se aos sobrinhos. Era tanto carinho e devoção que todos passaram a chamá-la de madrinha. As férias dos “afilhados”, inclusive, eram sempre em sua casa.

Não era festeira, mas tinha animação de sobra e adorava passar pelas comemorações da cidade para ver as pessoas dançando e se divertindo. Gostava de ver a casa, em Santa Maria do Pará, sempre cheia e nunca recusava um convite para ir aos igarapés, pois amava a água gelada.

Apesar de muito querida e batalhadora, sua vida não foi fácil. Por cinco anos, sofreu com tratamentos de hanseníase e sarna. Curada da primeira, acabou contraindo a segunda. De outra cidade, a irmã rezava para que Nossa Senhora Aparecida fizesse um milagre na vida daquela mulher. Tão boa para os outros, não merecia sofrer.

Sem saber de nada, teve uma visão: uma mulher negra, vestida de branco, entrou em seu quarto. Confusa, chamou uma de suas irmãs para perguntar quem era aquela, mas não havia ninguém. Poucas horas depois, todas as feridas na pele fecharam e as dores cessaram. Por isso, acreditam que ela foi curada por um milagre. Nos 20 anos seguintes, não teve mais nada.

Muito religiosa, tornou-se ainda mais devota depois de recuperar a saúde. Não perdia a missa de 19h no sábado. Com o cabelo bem arrumado e um vestido novo, assentava-se sempre no mesmo lugar, religiosamente. Lugar esse que, desde seu falecimento, não foi ocupado por mais ninguém.

Outro compromisso fixo era o de, às 15h, ficar no pátio de casa, na beira da BR-316, tomando seu café preto puro. Ali, passava o tempo vendo o movimento, conversando com quem ia e vinha. Era também na porta que faziam sombra os diversos pés de manga, com as quais ela se deliciava. Bastava começar a ventar para Zélia correr e ficar ali embaixo, esperando caírem.

Nascida e criada na mesma cidade, a vida inteira morando em Santa Maria do Pará fez com que fosse muito conhecida por todos. Foi babá e também trabalhou como servente na escola Severiano por muitos anos, até aposentar.

Com mais tempo livre, passou a viajar para ver a irmã em Ananindeua, na Grande Belém, mas não se ausentava muito. Sentia saudade de casa. No amplo quintal, criava galinha, pato e três vira-latas que adotou e dos quais cuidava com muito carinho e que, assim como todos que a conheciam, sentiram muito sua partida.

Zélia nasceu em Santa Maria do Pará (PA) e faleceu em Santa Maria do Pará (PA), aos 75 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela sobrinha de Zélia, Rozinere Maia Xavier. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Mariana Campolina Durães, revisado por Gabriela Carneiro e moderado por Rayane Urani em 8 de outubro de 2020.