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Maria José Cosme Rodrigues

1962 - 2021

"Maria da Sopa" sentia prazer em servir alimento para corpo e alma. Trouxe ao mundo mais amor, cor e sabor.

Além de ótima cozinheira, Maria era empresária e fazia amizades por onde passava. Proprietária da "Casa da Sopa", atendia em seu restaurante com amor e irreverência, fazendo a diferença no dia e na vida de muitos que por ali passavam.

"Maria da Sopa" tinha orgulho do apelido pelo qual era conhecida por todos. Os policiais da região também frequentavam seu restaurante e ela era considerada a "mãe" deles, tanto que, em sua despedida, várias viaturas do BOPE, da PM potiguar e da Força Tática acompanharam o cortejo.

Suas características mais fortes eram a caridade e a alegria. "Ninguém passou por ela sem uma história engraçada para contar", diz a filha Allane Cristina.

A tarefa de criação dos filhos Allane, Adriano e Alexandre foi árdua, mas cumprida com brio. Ao todo, teve sete netos humanos e mais três cachorrinhos ─ que contribuíam ainda mais para a alegria da casa ─ e eram tratados como netos também. Muito vaidosa e de personalidade forte e carismática, Maria era uma pessoa afeita aos bordões.

"Sua flor preferida era o girassol e, por isso, passamos a plantar onde podemos", conta a filha que relembra o quanto a mãe era querida pela comunidade onde morava, pelos clientes, pela família e amigos. "Ela possuía laços de amizade há décadas e cultivava essas relações com cuidado", afirma.

É tão verdade isso que, o cordel abaixo (em memória de Maria) foi escrito por uma dessas amigas:

Como um Girassol

Era sempre alegre
Uma mulher solar
Que deu sua vida
Em nome do amar
Falo de Maria José
Uma mulher de fé
Que veio nos ensinar

O sentido do amor
Aprendeu desde pequena
Filha de dona Chiquinha
Figura doce terrena
A ser boa de coração
A todos estender a mão
Com bondade serena

Em São José de Campestre
A filha de Antonio nasceu
Menina sempre esperta
Nessa cidade cresceu
Construiu amizades
Com amor e verdade
Sua terra não esqueceu

Tirava de onde não tinha
Para encher os outros de amor
Mesmo em meio ao sofrimento
Trazia para a vida a cor
Mulher forte e independente
Que levava sempre à frente
Seu sorriso por onde for

Gostava de uma piada
Dava à vida sua alegria
Criou os seus três filhos
Com força e maestria
Alexandre, Allane e Adriano
Fazem parte do plano
Dessa mulher poesia

Cozinheira de mão-cheia
Dominava a cozinha
Ninguém podia resistir
Ao tempero da baixinha
Arretada e destemida
Viveu toda sua vida
Com elegância de rainha

Gostava de mesa cheia
Com todos que a amavam
Seus sete netos queridos
Suas comidas adoravam
Vai deixar muita saudade
No peito, uma vontade
Das delícias que provavam

Fora os netos humanos
Tinha três cachorrinhos
Que eram também amados
E cheios de carinhos
Recebiam seus afetos
Como se fossem netos
De quatro patas e focinhos

Dona da melhor sopa
Que o mundo já conheceu
Elogiada por toda gente
Que no restaurante comeu
Tinha seus fiéis clientes
Amavam suas sopas quentes
Chega agora a fome 'bateu'

Lá do céu está sorrindo
Lembrando desses momentos
De quando aqui na Terra
Soldados, cabos e sargentos
Total a força policial
Tinha o mesmo ritual
De provar seus alimentos

Como boa escorpiana
Era braba e intensa
Sempre alegre e brincalhona
Marcante era sua presença
Tinha sempre um bordão
E dizia com o coração
Tudo aquilo que 'pensa'

Era 'problema sexual seu'
'Quem danado se importa?'
Dona Maria tinha dessas
Com quem ia à sua porta
Com toda irreverência
Demonstrava sua essência
Lembrar disso nos conforta

Vaidosa e cheia de si
Estava sempre disposta
Sua beleza era forte
E faço até uma aposta
No céu está mais linda
Sua beleza nunca finda
Pois é luz sobreposta

Mãe leoa e protetora
Assim será lembrada
Pela sua presença alegre
Por nós sempre amada
Deixa na Terra um legado
De afeto e cuidado:
Sua luz forte e dourada

Assim como os girassóis
Sempre de frente pra luz
Sua vida foi exemplo
De tudo que Deus reluz
Por isso que neste dia
Celebramos a alegria
Que sua memória reproduz

Esse cordel foi feito
Para encher o mundo de cor
Pois assim era nossa nova
Coloria com esplendor
Qualquer lugar que fosse
Ao mundo ela trouxe
Mais amor, cor e sabor!

Maria nasceu em São José do Campestre (RN) e faleceu em Natal (RN), aos 58 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela filha e pela jornalista, cordelista e amiga de Maria, Allane Cristina Cosme Rodrigues e Emanuelle Freitas. Este texto foi apurado e escrito por Lígia Franzin, revisado por Emerson Luiz Xavier e moderado por Lígia Franzin em 22 de maio de 2021.