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Acácio la Sálvia

1947 - 2020

Era uma fonte dos saberes da floresta e da história do mundo, um verdadeiro mestre.

Foi desde cedo muito interessado e curioso sobre coisas da mais variadas: sabia um pouquinho de tudo. Na floresta amazônica aprendeu lições preciosas, as quais levou para a vida toda. Tudo o que conhecia fazia dele uma ótima pessoa para conversar, mas não só: sua principal qualidade era conseguir inspirar o coração das pessoas.

Na juventude, durante o período da Ditadura Militar, Acácio cursou Geologia e começou a participar do Centro Académico que, naquela época, era extremamente ativo em prol dos valores democráticos. Lá, durante o mais conturbado período político já vivido no Brasil, ele tinha a função de contador e devido ao seu engajamento chegou ser perseguido pelos militares.

Nascido em São Paulo Acácio cresceu com sete irmãos numa chácara, a mesma chácara em que passou seus últimos dias, onde ele encontrava a paz de espírito em meio à natureza que tanto tinha apreço. Na infância gostava muito de jogar futebol e, segundo os irmãos, era o melhor atleta da família nessa modalidade. Quando alguém o chamava de fanático discordava, mas não havia nada que o tirasse tanto do sério como ver o Corinthians jogando mal.

Conforme foi crescendo sua curiosidade só aumentava; à medida que aprendia coisas novas mais queria conhecer sobre o mundo: ele era um homem interessado pelas mais diversas áreas e quanto mais descobria maior era a vontade de encontrar novas formas de conhecimento. Talvez isso tenha sido o que o levou, depois de se formar, a morar na Amazônia, lugar em que a vida se mostra em toda sua potência e que, sem dúvida, enfim o consagrou como o sábio que ensinou tanto a tantas pessoas.

Logo após concluir a graduação Acácio realizou seu desejo e se mudou para lá, onde desenvolveu um trabalho de campo. Em meio a maior floresta tropical do mundo ele aprimorou não só o seu conhecimento técnico, mas também obteve o conhecimento ancestral indígena, o qual levou para toda vida e transmitiu para aqueles que tiveram a sorte de conhecê-lo. Nesse período aprendeu também o verdadeiro sentindo de coletividade, que certamente o influenciou na forma com que tratava a todos.

Acácio adorava trabalhos manuais e foi um artesão muito hábil. Ensinou o seu filho a rodar pião, a fazer pipas, e produziu muitos dos brinquedos que seus descendentes tiverem a sorte de receber, como um lindo barco à vela que fez para sua neta, Alice. Além disso ele também fazia balaios, cestas, redes, peneiras: tudo aprendido com os amazônidas durante os oito anos que viveu entre eles.

Anos depois, Todão, como era carinhosamente chamado pelos mais íntimos, se mudou para outra belíssima região do Brasil: Bodoquena no Mato Grosso do Sul, onde ganhou a chave da cidade pelos serviços prestados. Acácio foi muito importante para a cidade, pois foi responsável pela implementação de uma fábrica de cimento, que apesar de não ser uma das coisas mais inofensivas ao meio ambiente, teve como guardião um homem cuidadoso preocupado em diminuir os impactos da produção na natureza.

Foi lá também que ele encontrou a sua companheira de toda a vida, Maria. Dessa união vieram os seus três filhos: Jerônimo, Narjara e Cássia. Logo, dividido entre uma vida financeira estável com constantes viagens ou acompanhar de perto o crescimento dos filhos, optou pela família e passou a criar rãs, sendo um pai sempre muito presente.

A sua sabedoria era tanta que fazia com que pudesse conversar com desenvoltura sobre qualquer assunto, mas isso nunca dez dele um homem orgulhoso. Quando um dos seus filhos o chamavam de ídolo, logo vinha ao rosto o seu sorriso tímido: ele era humilde como um mestre. Discorria facilmente sobre qualquer período histórico, explicando os acontecimentos com seu Português irretocável. Era uma pessoa inspiradora, conciliadora e racional, o que não fazia com que fosse menos carinhoso com os seus. Para completar ele também tinha um lado artista: desenhava, pintava, esculpia, talhava, tecia e amava estar em contato com a natureza e quem o visse nela jamais teria dúvida de que ele realmente fazia parte dela.

Nessa sua passagem pela Terra, e nos caminhos que percorreu por todo o Brasil, Acácio marcou a vida de quem conviveu com ele, deixando o seu legado no coração das pessoas, que nele viam um exemplo de sabedoria, humildade e compaixão assim como os grandes mestres. Acácio, ou Todão, mudou o mundo inspirando as pessoas ao seu redor.

Acácio nasceu em São Paulo (SP) e faleceu em Suzano (SP), aos 73 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela amiga de Acácio, Sabrina Santana Martins. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Lucas Rangel, revisado por Ana Macarini e moderado por Rayane Urani em 12 de agosto de 2021.