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Adilson Torquato Guimarães

1942 - 2020

Adilson deixou saudades na família, nos cachorros, nos funcionários de supermercado e nos moradores de rua.

Adilson, se você soubesse o que sua neta Karine falou sobre você, choraria muito. Como sempre. Só desse jeito todo mundo saberia que você gostava de usar camisas amarelas, de visitar supermercados e as tratava como se estivesse indo ao shopping. Gostava de ser amigo de todo mundo.

Foi à Karine que você entregou o diploma, quando ela se formou e, na companhia dela, disse que estava com vergonha porque não sabia o que dizer. Tinha esquecido.

Era característica sua transformar o sonho em realidade, interpretando cada coisa como se existisse. Machucava o pé chutando a parede, achando que era jogador de futebol, gritava com raiva quando acreditava que estava sendo assaltado e até arranhou a mão quando imaginou que era lutador profissional.

Adilson e Socorro, sua esposa, foram pais de Ricardo de Souza Guimarães e Simone de Souza Guimarães. A família que ia aos restaurantes sempre que possível e que Adilson, teimoso, sempre queria bancar toda a conta. Gostava de comer, de cozinhar, de pedir hambúrgueres. As faturas do cartão abarrotadas de pedidos.

Vale lembrar que Adilson não foi generoso só dentro de casa, gostava de ajudar os moradores de rua, com cestas básicas; e também levou o café da manhã para um homem que estava na calçada do prédio. Oferecia caronas, coisa rara hoje em dia. Sensível, guardador. Tentava até dar dinheiro à Karine, quando a levava para o metrô. É, nem essas pequenas coisas escaparam...

Você a tornou torcedora do Fluminense, Adilson. E deixou saudades do dia em que foram ao estádio assistir a um jogo ou das vezes que viajaram juntos. Aquela de Las Vegas, então... Como seria bom se desse para colocar um filme para você ou ensinar a usar os fones de ouvido!

Ainda bem que lhe permitiram conhecer todas essas coisas. E, com a internet, lhe possibilitaram cair no choro, uma das suas características, até com mensagens de bom dia no WhatsApp. Foi fácil até de guardar na memória quando você se esquecia e não conseguia usar as coisas e alguém tinha de lhe ensinar outra vez.

Aqui, para quem ficou, resta a saudade de toda uma família e dos cachorros, que agora não podem mais passear com você, Adilson. Queriam que você estivesse por aqui, até para comprar o biscoito da vaquinha. O galã, o vovô gordão... O homem que chorava em cada culto, que orava sempre.

“Eu precisava de mais tempo. Vô, você tem seu pequeno infinito comigo pra sempre. Não existem palavras pra demonstrar a gratidão que tenho de ter sido sua neta. Um homem bom, pai, irmão e avô amoroso e servo do Senhor. A morte é assim. Ela não permite despedidas, ela não respeita planos”, lamentou a neta de Adilson, Karine.

Adilson não quis se despedir de verdade. Disse que estava bem e, mesmo internado, achava que não estava com a Covid-19. Só por teimosia.

Apesar de tudo, não se furtou de falar a todo mundo, mais uma vez, o quanto os amava e o quanto sentia falta.

Adilson nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), aos 77 anos, vítima do novo coronavírus.

Tributo escrito a partir de testemunho concedido pela neta de Adilson, Karine Guimarães. Este texto foi apurado e escrito por jornalista Josué Seixas, revisado por Lígia Franzin e moderado por Edson Pavoni em 21 de julho de 2020.